UEPG apoia projeto de reconhecimento da produção da erva-mate como patrimônio mundial

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A Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) atua no apoio a projetos de preservação da produção tradicional da erva-mate no Paraná. Na última sexta-feira (10), a instituição esteve presente no encontro liderado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em Irati. O evento teve objetivo de apresentar a candidatura dos sistemas tradicionais e agroecológicos de erva-mate como um Sistema Importante do Patrimônio Agrícola Mundial (Sipam). A UEPG foi representada pelo reitor Miguel Sanches Neto e os professores do Departamento de História, Alessandra Izabel de Carvalho e Robson Laverdi.

O evento reuniu autoridades da ONU, políticos, ativistas, além de produtores tradicionais da erva-mate no Paraná, que apresentaram características, saberes e história da produção da planta no Estado. A candidatura foi liderada pelo Observatório dos Sistemas Tradicionais e Agroecológicos de Erva-mate, entidade na qual a UEPG é signatária. Para se encaixar como um Sipam, o sistema deve produzir alimentos com qualidade, manter a capacidade de gerar renda e trabalho para agricultores e auxiliar na preservação do meio ambiente. O motivo da candidatura é porque os signatários acreditam que a produção tradicional da erva-mate no Paraná se encaixa nos padrões estabelecidos pela FAO.

O Observatório busca dar incentivo à organização dos agricultores familiares em associações e cooperativas rurais solidárias, fortalecer marcos legais, políticas públicas e pesquisas direcionados aos sistemas de cultivo. A procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho no Paraná e representante do Observatório, Margaret Matos de Carvalho, destaca que a cadeia produtiva da erva-mate vai além dos barões da produção no Estado. “Nós temos reproduzidos na bandeira do Paraná tanto a erva-mate quando a araucária, que são importantes para a preservação do meio ambiente”. Para a procuradora, existe uma ligação forte entre os sistemas tradicionais de produção de erva-mate e as florestas de araucárias, já que a erva-mate não é uma planta que gosta de ficar exposta ao sol, se desenvolvendo em meio à floresta. “Esse é objetivo central, a verticalização da produção, indo além das grandes indústrias. Queremos garantir que as famílias que produzem a erva-mate possam ficar com maior parte desse bolo”. 

A UEPG tem sido uma parceira importante no desenvolvimento de projetos junto às comunidades agricultoras, vinculadas aos sistemas tradicionais e agroecológicos de produção de erva-mate, segundo a professora Alessandra Izabel de Carvalho. “O Programa de Pós-Graduação em História realiza registro e análise de memórias e narrativas que modelam a cultura dos erveiros e erveiras em sua interface direta com a floresta com araucárias”, explica. O curso ainda auxilia na produção de dissertações de mestrado, TCCs e projetos de iniciação científica relacionados ao tema. “É fundamental para que possamos contar a história da produção da erva-mate no Estado do Paraná para além do baronato. O fato de a UEPG ser signatária do Observatório apenas reitera o compromisso da Universidade Pública com a produção de conhecimento científico em diálogo e cooperação com a sociedade civil”, completa Alessandra.

A UEPG ainda atua, por meio do Museu Campos Gerais (MCG), na guarda do acervo do Instituto Nacional do Mate, além de trabalhar na digitalização e organização de outras fontes históricas com o Instituto de Desenvolvimento Rural (IDR) e o Centro de Desenvolvimento e Educação dos Sistemas Tradicionais de Erva-mate (CEDErva). Em novembro, a instituição recebeu o acervo histórico sobre a erva-mate e a Floresta Ombrófila Mista, fruto da coleção de Uriel Carvalho Nogueira Santos. O CEDErva participou da intermediação da doação para o MCG. A entidade é uma rede colaborativa de pessoas que atuam na preservação e produção da erva-mate. “Os sistemas de produção não são somente os de erva-mate, mas são uma cadeia produtiva, que envolve frutas, animais, plantas nativas e medicinais. Realizamos uma gama de atividades para compartilhar conhecimento de produção tradicional entre agricultores e comunidades”, informa a presidente do CEDErva, Evelyn Roberta Nimmo. Ao todo, 350 famílias fazem parte da entidade, fazendo troca de conhecimento florestal.

“Como pesquisador da UEPG, me sinto gratificado por contribuir nesta candidatura dos sistemas tradicionais da erva-mate no Paraná como um Sipam, da FAO”, enfatiza o professor da UEPG, Robson Laverdi. Além ajudar na mediação do reconhecimento, a participação da instituição permite interagir com atores sociais diversos, segundo Robson. “Eles estão vinculados a pautas muito importantes para o mundo contemporâneo, que são agricultura familiar, agroecologia e segurança alimentar. Tem sido um canteiro de experiências incrível se juntar a várias áreas, das humanas, das biológicas, das florestais e das agrárias, com forte apelo ao vínculo ensino, pesquisa e extensão”, salienta.

Produção tradicional 

Durante a solenidade de abertura do evento, os presentes puderam assistir a um ato de expressão da cultura local. À frente foram trazidos símbolos dos valores sociais e espirituais, do trabalho e dos anseios dos agricultores e agricultoras a região. Silvia Mara Woiciechowski é agricultora de São João do Triunfo e enfatiza que a produção da erva-mate ainda é um sistema que as famílias da região estão mantendo ao longo de muitos anos, “com garra e resistência ao sistema dominante, que insiste em implantar o uso abusivo de insumos químicos e venenos nas lavouras”, aponta. O sistema tradicional de erva-mate segue vivo, de acordo com Silvia. “Muitas famílias ainda secam erva-mate no fogão à lenha, por isso o reconhecimento da FAO é muito importante para nós, pois trará organização cultural e territorial para o nosso Estado. Que essa iniciativa gere frutos e essas famílias mantenham as gerações futuras nesse sistema tradicional”.

O povo faxinalense garante a preservação e manejo do território da erva-mate há mais de 200 anos, como informa Dimas Gusso, faxinalense da Associação Puxirão dos Povos Faxinalenses e da Rede dos Povos e Comunidades Tradicionais. “Garantimos essa preservação da biodiversidade, que permaneceu na invisibilidade por muito anos. A partir de 2005 vimos a necessidade de ir a campo e mostrar que há faxinais no Paraná que estão na ação”, explica. A organização do povo faxinalense que produz erva-mate provocou o Estado a pensar em políticas públicas. “Mostramos que somos um grupo expressivo e a erva-mate é apenas um dos elementos da nossa cultura. Precisamos discutir o território, na questão ambiental e social, por isso a erva mate é fundamental nesse aspecto”.

Nelson Florentino é ancião Guarani, da Terra Indígena Rio d’Areia, em Inácio Martins. Para ele, a erva-mate tem importância ancestral. “Nós indígenas, do povo Guarani, consideramos a erva-mate uma planta sagrada, porque Deus nos determinou essa planta para que o povo indígena seja batizado, não apenas por tradição, mas em agradecimento à primavera”. Nelson explica que para o indígena há dois tempos – o novo e o velho. “O novo tempo é a primavera, e os Guarani fazem o batismo para agradecer esse tempo novo. Com a erva-mate, o índio recebe o seu próprio nome, que é revelado por Deus para mim. Cada tipo de nome, que tem um significado, recebo através da consagração da erva-mate”.

A nova geração indígena também festeja a erva-mate como uma fonte de renda. “Através dela nós tiramos nosso sustento. Eu na casa não posso ver nenhuma folhinha quebrada. Tenho pés de erva-mate e não deixo as crianças brincarem perto, pois é uma planta designada por Deus para uso indígena, usamos para agradecer a tudo que existe na terra e no céu”. O uso da planta também é sagrado para outras celebrações. “Os pajés usam para batismo e fazemos isso através da reza. Antigamente usavam para se consagrar perante Deus e ter visão do futuro”, conta. Os pajés se consagravam a Deus durante um mês em uma oca, pedindo santificação. “Depois tomávamos esse chá e através da erva-mate recebia visão da parte de Deus, então os Guaranis sabiam o que iria acontecer depois de um tempo. Com certeza meus avós já sabiam que iria acontecer essa pandemia”. Nelson lamenta a perda da tradição pelos mais novos, mas ainda comemora o fato da erva-mate ser uma planta sagrada para o seu povo. “Através dessa erva eu recebi o meu nome, por isso a erva-mate é muito importante para nós”.

Após a apresentação das autoridades, o diretor da FAO no Brasil, Rafael Zavala, destacou a importância do plano de conservação da erva-mate no Paraná. “Fico orgulhoso de fazer parte da missão de avaliação para o reconhecimento desse sistema como um patrimônio agrícola mundial. As atividades desenvolvidas por vocês são fundamentais para a sustentabilidade dos sistemas agroalimentares do Paraná”. O diretor enfatizou que a FAO é uma grande entusiasta do reconhecimento de sistemas agro-tradicionais. “Entendemos que estes sistemas apresentam uma importante relevância histórica e cultural para sociedade. Reforço que a produção da erva-mate seja ainda mais valorizada e não perca a sua relevância”.

Texto: Jéssica Natal | Fotos: Luciane Navarro

 


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