Os dados mostram que 35% dos estudantes enfrentam algum grau de insegurança alimentar, que é a incerteza quanto ao acesso a alimentos em um futuro próximo, ou quando a qualidade da alimentação já está comprometida. O questionário foi aplicado de forma online, no segundo semestre de 2023. Foram coletadas informações sobre características individuais, da família, socioeconômicas, de inclusão em ações de permanência na universidade, informações quanto ao acesso a bolsas de pesquisa e extensão, questões sobre a saúde (física e mental), proteção social, além dos dados nutricionais e antropométricos dos estudantes.
A professora Augusta Pelinski Rahier destaca o caráter pioneiro do estudo. “A pesquisa é uma das primeiras no âmbito universitário e ele se torna importante, porque a universidade se transformou ao longo dos anos, incluindo jovens que antes eram excluídos”. Dos cinco setores de conhecimento da instituição, o de Ciências Humanas, Letras e Artes apresenta a maior proporção de discentes em situação de insegurança alimentar, com 43% dos estudantes. Ainda, 19% dos alunos deste setor afirmaram ter passado um dia inteiro sem se alimentar ou enfrentado a sensação de fome.
“A universidade está recebendo jovens que apresentam condição de vulnerabilidade social, por isso é importante ressaltar que, quando eles conseguem se inserir no ensino superior, a sua condição social e econômica não não os abandona de forma imediata, e isso tende a recair sobre sua condição alimentar”, ressalta Augusta. A pesquisa correlaciona a insegurança alimentar com o número de refeições – daqueles que fazem até uma refeição por dia, 76% estão em situação de insegurança alimentar, enquanto no grupo dos que consomem duas refeições, o percentual é de 50%. Para a docente, são necessárias ações imediatas e dirigidas a esses grupos para mitigar a condição de vulnerabilidade alimentar. “O estudo se torna de suma importância nesse sentido, de garantir ações afirmativas, para garantir a permanência e o aprendizado dos estudantes. A alimentação é um direito fundamental, tanto em quantidade quanto em qualidade”.
Políticas de permanência da UEPG
A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae-UEPG) já apreciou o estudo. “Destacamos a importância da pesquisa, para informar a comunidade acadêmica em geral sobre a real situação de insegurança alimentar dos estudantes da UEPG”, destaca a pró-reitora, professora Ione Jovino. Os resultados irão contribuir significativamente para o aprimoramento da política de assistência estudantil, segundo ela. “O estudo contribui para revelar diferentes elementos que compõem a situação de vulnerabilidade social que acomete parte da nossa comunidade discente”. Para Ione, é de “suma importância para o desenvolvimento da universidade que a comunidade universitária realize pesquisas que busquem o fortalecimento de resposta aos problemas enfrentados pela instituição”.
A diretora de Ações Afirmativas e Diversidade da Prae, professora Silmara Carneiro, explica que a pesquisa poderá contribuir também com a tomada de decisões no que se refere às ações afirmativas e diversidade. “O relatório faz análises correlacionadas às questões de gênero, diversidade social e racial. Gostaríamos ainda de enaltecer a iniciativa e a postura ético-política do grupo de pesquisa, que deu publicidade aos seus resultados, dialogando de modo responsável com a gestão da Prae, na direção da somar com as iniciativas que vêm sendo efetivadas pela instituição”, finaliza.
Mais análises
O relatório ainda analisa dados de alunas com e sem filhos. As discentes que não são mães apresentaram uma taxa de insegurança alimentar de 37%, enquanto as alunas com filhos enfrentaram uma taxa mais alta, de 56%. No caso de estudantes homens, a fato de ter ou não filhos não alterou os dados. De acordo com o estudo, essas informações evidenciam que a insegurança alimentar experimentada por mulheres estudantes com filhos reflete a persistente desigualdade de gênero que historicamente afeta as mulheres. “Elas enfrentam uma carga adicional de responsabilidades diárias, combinando trabalho, estudo e cuidado dos filhos, muitas vezes assumindo a responsabilidade exclusiva pela subsistência da família. Isso resulta em condições mais acentuadas de empobrecimento”, relata o artigo.
A cor da pele também é fator preponderante no estudo: alunos não-brancos vivem em maior proporção a insegurança alimentar, representando 45%, em comparação com os que se autodeclaram como brancos (37%). Este grupo também evidencia a proporção mais significativa de acadêmicos com insegurança alimentar grave (18%). O artigo ressalta que, entre os estudantes admitidos por meio do sistema de cotas, 42% enfrentam insegurança alimentar, em contraste com 31% dos não-cotistas.
O estudo observou uma tendência de aumento do percentual de cotistas inseridos na categoria de carência alimentar mais severa: 17% deles responderam positivamente às questões que caracterizam a insegurança alimentar grave; entre os não-cotistas, a proporção correspondente é de 11%. Uma das explicações para o percentual elevado se explica pela renda média per capita dos estudantes cotistas, que se destacou como a mais baixa, de R$ 1.066,00. “Observa-se que, entre os cotistas, aqueles que frequentaram uma escola de ensino médio público apresentaram uma proporção significativamente mais alta de estudantes em situação de insegurança alimentar. Por outro lado, entre os não-cotistas, aqueles que frequentaram escolas privadas foram os que apresentaram a maior proporção de estudantes em situação de insegurança alimentar, atingindo 75%”, descreve o estudo.
Os resultados permitiram uma uma análise da renda os estudantes, que constatou que 18% se encontram em situação de pobreza, de acordo com índices estabelecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Quando desagregamos esses dados por cor, observamos que 18,6% dos indivíduos brancos estão em situação de pobreza, na mesma medida que o índice é mais expressivo entre os não-brancos, atingindo 37,7%”, descreve o estudo. Dentre os estudantes que assumem o ônus financeiro do aluguel com recursos próprios, apenas 34% se encontram em situação de segurança alimentar. Em contraste, entre aqueles que têm familiares que arcam com os custos de habitação, 57% desfrutam de segurança alimentar.
“O estudo que concluímos agora retrata a importância do Restaurante Universitário e das diversas ações da universidade para essa questão”, destaca a professora Mirna Medeiros, integrante do Núcleo. A vulnerabilidade social é silenciosa e invisível, mas gera impactos na saúde física e mental, de médio a longo prazo, como destaca a docente. “Ao não fechar os olhos para essas questões, a universidade torna-se de fato um espaço inclusivo e humano”. O artigo verificou que os RUs, assim como outras ações da UEPG, já possuem impacto favorável para a segurança alimentar. “Ao diagnosticar a situação presente e os fatores que têm maior conexão com o estar em insegurança alimentar, pode-se propor novas ações e políticas, e trabalhar para que os nossos alunos tenham acesso ao alimento em quantidade e qualidade”.
A professora Édina Schimanski salienta a importância do processo de fazer pesquisa e produzir conhecimento na formação discente. “Este estudo foi gestado dentro de um núcleo de formação da Pós em Ciências Sociais Aplicadas. Todas as etapas da pesquisa foram desenvolvidas com a participação acadêmica, da Iniciação Científica à pós-graduação”, explica. Foram 18 meses de trabalho contínuo, com coleta de dados, divulgação, execução da pesquisa e organização do relatório. “Os dados revelam que a mulher está em uma condição mais preocupante em termos de insegurança alimentar quando comparado com os estudantes homens. Dados relacionados a gênero sempre são de extrema importância para se entender essa questão”, termina.
A edição completa do relatório pode ser lida aqui.
Texto: Jéssica Natal | Fotos: Aline Jasper