De origem grega, a palavra “doula” remete a “mulher que serve”. É essa a essência da atuação das doulas, profissionais que dão suporte emocional, apoio psicológico e conforto a gestantes em todo o período da gravidez, parto e pós-parto. No Hospital Universitário Materno-Infantil da Universidade Estadual de Ponta Grossa (Humai-UEPG), são cerca de 30 doulas voluntárias cadastradas para atuar em partos.
No Humai, o voluntariado de doulas acontece desde 2021. Para participar, é simples: a doula precisa fazer um cadastro prévio com o Serviço Social, apresentando cópia e original dos documentos pessoais (RG e CPF), do certificado da formação de doula, comprovante de endereço e carteira de vacinação completa (incluindo a vacina contra Covid-19). Como o hospital atende exclusivamente pelo SUS, não pode ser realizada nenhuma cobrança em decorrência do atendimento no Humai. O contato do Serviço Social para mais informações é o do WhatsApp.
Luz baixa, uma música leve. “Meu corpo e meu bebê sabem exatamente o que fazer”. Fotos de momentos felizes e afirmações positivas nas paredes. “Seja bem-vinda, Isis”. Uma massagem ajuda a aliviar a dor da contração e a presença calma da doula dá suporte ao trabalho do corpo feminino para trazer ao mundo uma vida.
A doula Caroline Sauner estava lá na noite em que a pequena Isis, filha da Kim e do Matheus, nasceu. “A doula não é técnica, ou seja, ela não ‘faz parto'”, explica. Segundo ela, o papel da doula não é de realizar exames ou aferir sinais vitais, mas sim de ajudar a aliviar a tensão e a ansiedade do momento. “Durante o trabalho de parto, ajuda a mulher a lidar com a dor, com massagens, acupressão, posicionamentos, aromaterapia e por aí vai”.
O chuveiro quente ajudava a aliviar as dores das contrações e agilizar a progressão do trabalho de parto. Pai e doula alternam para fazer massagens na lombar da gestante – técnica que foi ensinada pela doula durante os encontros de educação perinatal. “A doula é uma profissional de assistência à informação e emocional. Durante a gestação, a pessoa gestante pode entender o processo, a fisiologia, desde a gestação em si até o trabalho de parto e suas fases. Durante toda a gestação ela e, claro, o acompanhante, que é o responsável legal pela mulher, vão se preparar para possíveis desfechos, como uma cesárea intraparto, caso haja indicação”, orienta Caroline. “Também saberá o básico para iniciar os cuidados com o bebê e a amamentação, que pode ser desafiadora sem a devida orientação”.
O chamado para atuar como doula veio após duas experiências negativas durante as gestações de Caroline. “Em 2019 tive minha primeira gestação e não sabia sobre nada do universo gravídico-puerperal”, lembra. Infelizmente, o primeiro bebê foi perdido com nove semanas de gravidez. Na segunda gestação, Caroline passou por situações de violência obstétrica antes e durante o parto. “Então, grávida do meu segundo filho, decidi ser doula e proporcionar que mais mulheres tenham boas experiências, e que elas pudessem tomar suas decisões com consciência do que poderia acontecer”, relata. “Meu desejo é que toda mulher possa ter uma doula, que possa orientar e prestar esse suporte durante o parto”.
Doulagem
Parir é uma atividade coletiva, desde os primórdios da humanidade. Primatas têm o costume de se isolar em árvores ou touceiras para dar à luz, mas os humanos são a única espécie desse grupo que busca regularmente ajuda para o trabalho de parto. Pesquisadoras como Karen Rosenberg e Wenda Trevathan, das universidades de Delaware e New Mexico State, nos Estados Unidos, apontam que as alterações anatômicas que possibilitaram que o ser humano ande ereto, sobre duas pernas, e a proporção maior do tamanho das cabeças com relação aos corpos fazem com que o parto seja mais complexo do que para outras espécies da ordem primata. “Na verdade, o hábito de procurar assistência no parto talvez já existisse quando o mais antigo membro do gênero Homo apareceu, e possivelmente data de cinco milhões de anos atrás, quando nossos ancestrais começaram a andar eretos regularmente”, apontam, em estudo publicado na revista Scientific American.
De um evento comunitário, com a presença de mulheres da família, mais experientes com o processo de trazer ao mundo um bebê, o parto foi se tornando cada vez mais um evento íntimo, em ambiente hospitalar e cercado por profissionais que atendem a preocupações técnicas referentes à mãe e ao bebê. Mas o cuidado com o bem-estar emocional da gestante fica, muitas vezes, em segundo plano. É aí que entra a atuação da doula.
“Elas são muito importantes, porque transmitem segurança para a paciente”, destaca a coordenadora da Maternidade do Humai, Regiane Hoeldtke. O mundo ideal seria aquele em que todas as gestantes tivessem o acompanhamento de doulas, segundo ela. “Diminuiria muito o índice de cesáreas com a presença da doula, que acaba transmitindo muito mais confiança para essa mãe durante o parto”.
Tramita na Câmara dos Deputados, desde 2017, um projeto de lei que regulamenta a profissão de Doula, que está inclusa no Cadastro Brasileiro de Ocupações, do Ministério do Trabalho. Nesse projeto, são caracterizadas as áreas de atuação e atividades das doulas, que não incluem a participação nos procedimentos médicos ou de enfermagem. As doulas não realizam procedimentos de saúde, como ausculta fetal, aferição de pressão e exame de toque do colo uterino. A presença da profissional não substitui o acompanhante da paciente: nas maternidades, é permitida a entrada de um acompanhante, mais a doula.
Há outras formas e momentos de atuação das doulas, como explica Karine: “Existem doulas que atendem somente a fase de gestação, ou as fases do trabalho de parto, doulas de pós-parto e puerpério e até doulas de adoção, auxiliando na adaptação da família com a criança a ser adotada. O que vemos ser mais comum são as doulas que acompanham desde a gestação, passando pelo parto e o pós-parto imediato, ficando até duas horas após o nascimento do bebê, e posteriormente realizando uma visita domiciliar pós-parto, após a fase de resguardo, encerrando aí o atendimento”. A Educação Perinatal, que compreende as informações sobre a gestação, parto e maternidade, é uma das atuações mais importantes desse ofício, segundo a doula. “Sabemos o quanto as redes estão poluídas com todo tipo de informação, que não se sabe ao certo o que pode ser válido ou não. À doula também cabe o trabalho, muitas vezes, de filtrar essas informações, levando às famílias somente o que realmente importa e merece atenção, não deixando passar as informações que ajudarão a tomar as decisões mais acertadas, acalmando a mãe em cada momento e trazendo mais segurança durante a assistência ao parto”.
Um espaço para sanar dúvidas, trocar ideias e expectativas e conhecer direitos: esse é o propósito das Rodas de Conversa com Gestantes organizadas pelo Serviço Social no Humai. Todos os meses, as assistentes sociais se reunem com gestantes para apresentar os direitos na hora do parto, referenciamento, consultas e documentação. A atividade é gratuita e aberta para quem quiser participar – só é preciso confirmar participação através do WhatsApp (42) 99100 6898. Os próximos encontros serão nos dias 27 de maio (14h) e 07 de junho (16h).
Desde o início do projeto, a presença constante de doulas contribui com as discussões. Foi a partir do convite da doula Mari Toledo que Luana Aparecida de Mattos, que é acadêmica de Serviço Social na UEPG, chegou à roda de conversa, no início de maio. Ela conta que optou pelo acompanhamento da profissional durante a gestação para saber mais sobre o processo de se tornar mãe. “Maternidade não precisa ser esse bicho de sete cabeças, né? Eu decidi procurar conhecimento”.
Saúde Mental Materna
Furta-cor: uma tonalidade que se altera de acordo com a luz que recebe. Na campanha Maio Furta-cor, movimento internacional que tem como objetivo a conscientização e sensibilização sobre a saúde mental materna, a mensagem é de que no espectro da maternidade cabem todas as cores. Além de doula, Juliane Carrico e a representante oficial do movimento em Ponta Grossa. De panfleto em panfleto e de ação em ação, a meta é alcançar mães que precisam de ajuda e acolhimento.
Texto e fotos: Aline Jasper