HIV e Sífilis são tema de Reunião Científica no HU-UEPG

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A farmacêutica Alícia Krüger, primeira travesti egressa da UEPG, apresenta dados e avalia onde o SUS pode avançar na proteção da população LGBTQIA+

Após 7 anos de formada na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), com uma carreira em ascensão no Brasil e no exterior, a farmacêutica clínica e sanitarista Alícia Krüguer volta para a casa que a formou, desta vez como consultora ad hoc do Conselho Federal de Farmácia, onde coordena os grupos de trabalho sobre cuidado farmacêutico da população LGBTQIA+ e prescrição de tratamentos preventivos, como Profilaxia Pré-exposição (PrEp) e Profilaxia Pós-exposição (PEP). Alícia comandou nesta terça-feira (13) a 311ª Reunião Científica do Hospital Universitário (HU-UEPG), com o tema ‘A prevenção combinada e a prevenção da transmissão vertical do HIV e da sífilis’.

A diretora geral do HU-UEPG, professora Fabiana Postiglione Mansani, apresentou a palestrante com carinho de quem acompanhou a trajetória da egressa da UEPG. “Alícia fez toda sua formação na UEPG e, a partir de uma proposta de trabalho e da busca de um sonho, conquistou espaços importantíssimos, não só no Brasil, como referência no exterior”, contou. “Para nós é muito especial tê-la aqui dentro do Hospital, fazendo parcerias conosco pela função que ela desenvolve hoje”.

Alicia falou sobre os medicamentos indicados como método preventivo (PrEp) da contaminação por HIV e para uso caso tenha ocorrido uma exposição de risco potencial de contágio (PEP). “Para fazer um comparativo, o primeiro seria como a pílula anticoncepcional para evitar a gravidez e o segundo como a pílula do dia seguinte, em que elimina-se 100% do HIV no corpo, tomando o PEP até 72 horas após a intercorrência sexual e por 28 dias”, explica a farmacêutica.

O vírus do HIV circula em 0,4% da população brasileira, segundo dados do Ministério da Saúde. Entre gays e homens que fazem sexo com outros homens, a prevalência está em quase 19%. Entre mulheres trans e travestis, o número é muito maior, a porcentagem chega a 36,7%. Em Porto Alegre, o índice chegou a 40% nessa parcela da população, o que leva alguns estudiosos a defender que existe uma epidemia generalizada na cidade. 

A sanitarista alerta para a grave questão de saúde pública, uma vez que 2 em cada 100 brasileiros se identificam como trans, o que representa um universo de 3 milhões de pessoas – tomando como referência o levantamento da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (FMB-Unesp), publicado na Nature Scientific Reports em 2021. 

Para Alícia Krüger, a vulnerabilidade maior da população trans se explica pelo fato dessas pessoas estarem afastadas da educação desde a infância. “Com certeza, todos aqui já estudaram com heterossexuais, gays e lésbicas. Mas alguém já estudou com uma travesti, com um homem trans ou uma pessoa não binária?”, questiona. “Pelas suas condições, essas pessoas são afastadas das escolas no ensino básico fundamental e muitas sequer sabem ler e escrever. Como vão saber o que é o vírus da imunodeficiência humana, a síndrome da imunodeficiência adquirida, o que é transmissão vertical ou horizontal do HIV, a diferença entre prevenção clássica e prevenção combinada?”.

Para ela, há uma importante lacuna quando se fala de prevenção combinada. A especialista defende a importância do velho ditado ‘é melhor prevenir do que remediar’. “Não se fala mais sobre isso nas escolas, no início da vida sexual dos adolescentes. Não têm mais campanhas de prevenção e acabamos tendo que correr para eliminar as doenças e os agravos que já estão instalados”, problematiza. A faixa etária em que as novas infecções de HIV crescem vertiginosamente no país é entre meninos dos 15 aos 19 anos, de acordo com dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids).

Durante a Reunião Científica, a farmacêutica trouxe dados do acesso dos tratamentos entre a população brasileira e outras ações necessárias e urgentes para frear a epidemia que já atravessa cinco décadas. A parcela da população que mais tem usado PrEp e PEP são homens gays, brancos, de 30 a 39 anos, com mais de 12 anos de estudo. “São aqueles gays que fizeram faculdade com vocês”, evoca Alícia. Menores de 18 anos – faixa em que o HIV mais avança no Brasil – não aparecem na estatística. Por lei, a PrEp é liberada para pessoas acima de 15 anos pela efetividade do tratamento comprovada cientificamente. Pessoas trans e travestis mal constam na estatística, com 0,3% de acesso ao PrEp. As informações estão disponíveis no site do Ministério da Saúde

Ao final da reunião, a sanitarista desafiou os profissionais a olharem além do óbvio quando se trata da população LGBTQIA+. “Há muitos homens trans que podem engravidar e chegar ao hospital em trabalho de parto. Eles também precisam ser olhados nesse cenário de transmissão vertical”, exemplifica. 

Sobre Alícia Krüger

Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade de Brasília (UnB) e doutoranda em Endocrinologia Clínica pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), Alícia tem diversos trabalhos desenvolvidos no Ministério da Saúde e na Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), com a pauta de prevenção combinada. Atualmente acompanha a equipe do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (CIEB) da Secretaria de Estado da Secretaria de Saúde do Paraná, por meio do Programa VigiAR Sus, do Ministério da Saúde. 

“Sou primeira travesti a se formar pela Universidade, mas isso mais me entristece do que orgulha. Eu queria muitas como eu se formando”, sugere a farmacêutica. “Essa cidade e essa casa me marcaram muito e sou muito grata pela tríade de excelência em Pesquisa, ensino e Extensão, à qual eu tive acesso”.

Texto e fotos: Sandrah Souza Guimarães

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