Sem plano B
Era uma reunião de lideranças da comunidade indígena Mococa, do município de Ortigueira. Luiz Carlos Kog Te Salles Batarse, como vice-cacique, estava concentrado nos debates. “De repente, minha mãe chegou na porta falando ‘Luiz, você passou! Você passou!’, eu soltei um grito, perto de todo mundo. Meu Deus, eu vou ser médico!”. Era um sonho que se tornava realidade. Da aprovação à chegada na UEPG, passaram pouco menos de 30 dias. O agora calouro em Medicina não escondia o brilho nos olhos ao conhecer a Universidade, especialmente os espaços que irá estudar, como o Bloco M e o Hospital Universitário. “Muito legal”, dizia durante a atividade.
Durante os seis anos que Luiz será aluno da graduação na UEPG, a cabeça e o coração também ficarão na aldeia. “A gente sempre tem uma esperança que algum médico vá enquanto a gente não está lá ainda, mas depois que eu estiver lá, eu sei que eles não vão precisar mais, pois vou estar com eles. Vou dar o suporte que eles precisam”, reforça.
Luiz é um dos seis alunos indígenas que conseguiram uma vaga na instituição por meio do 22º Vestibular dos Povos Indígenas, que aconteceu dias 07 e 08 de maio. A UEPG aplicou as provas para 136 candidatos no polo de Manoel Ribas, em parceria com a Universidade Estadual de Maringá (UEM). Depois da divulgação dos aprovados, a expectativa só aumentava. A chegada a Ponta Grossa, na semana passada, veio com planos: “Já procurei casa pra alugar, que seja bem perto da UEPG, quero logo começar as aulas. Para mim, é só felicidade, felicidade e gratidão!”.
O processo de escolha dos cursos é diferente do vestibular tradicional – primeiro, são feitas as provas e depois a opção pelo curso, de acordo com a classificação. Em 2023, dois optaram por Medicina; dois, Enfermagem; um, Direito; e um, História. Mas para Luiz, que escolheu Medicina, não tem outra opção. “É Medicina, eu quero ser médico, não tenho segunda opção de curso. É a primeira e única, esse é o meu plano A, não tenho plano B, porque vai dar certo, se Deus quiser”.
Sonhos que mudam
Como ela, todos os outros calouros são novos na cidade. A nova vida de Andreely, longe da comunidade indígena de Faxinal, vem carregada de novos jeitos de enfrentar a rotina, como ficar longe dos dois filhos pequenos. “A gente sente falta da família, das comidas da casa. Eu tenho dois filhos, já tenho saudades deles, mas o meu objetivo é ficar aqui e já está sendo legal”, conta. Com casa já alugada e a mudança feita, a expectativa pelas aulas está a mil. “A ansiedade é grande para começar as aulas, para ver como é a área, ainda mais as aulas práticas”.
Para algo maior
Como os alunos indígenas passaram no Vestibular no meio do semestre do ano letivo de 2023, as aulas para eles começarão a partir de agosto. Até esta hora chegar, a Prae organiza atividades de integração, como rodas de conversa, orientações sobre o acadêmico online e Google Classroom, procedimentos de protocolo SEI, informações sobre os cursos escolhidos, esclarecimento sobre a Política de Permanência Indígena e demais serviços e atendimentos.
Muito além do ingresso, a Prae atua para garantir a inclusão e a permanência dos acadêmicos na Universidade. A pró-reitora da Prae, professora Ione Jovino, ressalta que a UEPG, além de trabalhar na aplicação das provas, também atua na organização do Vestibular, nas discussões e deliberações que antecedem o evento. “Talvez seja uma questão até maior que o número de indígenas que estão inseridos ou precisam acessar o ensino superior. Faz com que avancemos na construção de uma pluralidade forjada nas relações do dia a dia”, ressalta.
Os aprovados recebem um auxílio financeiro mensal de R$ 1.125,00 (para estudantes sem filhos), e R$ 1.687,50 (para indígenas com filhos). A bolsa é condicionada à frequência, que precisa ser de, no mínimo, 75%. A UEPG também fornece alimentação, com isenção no Restaurante Universitário (RU), e vale-transporte. O incentivo institucional, atrelado à vontade de começar a estudar, motivam Luiz para algo maior: o bem da sua comunidade indígena. “Sei que daqui um tempo meu povo não vai mais ficar dependendo de ninguém. É uma grande motivação saber que a minha comunidade agora vai ter um médico indígena daqui um tempo”, reforça.
O sonho não é por ele, mas por um bem maior. “Estou aqui pela minha comunidade, pela minha família, pelo meu piá de sete anos e minha bebê de 4 meses, pelos meus pais. Então, bora estudar, bora lutar agora, porque vai dar certo”, finaliza.
Texto e fotos: Jéssica Natal