O sábado, 2 de abril de 2016, se apagou da memória do caminhoneiro Marlove Domingos. Nesse dia, ele sofreu um grave acidente na PR-151, em Jaguariaíva. Na lembrança, ficaram as pessoas, profissionais do Hospital Universitário (HU-UEPG), que o atenderam. Ficou a gratidão que, na semana passada, fez Marlove rodar os 1500 quilômetros que separam a cidade gaúcha de Venâncio Aires e Ponta Grossa, para reencontrar a assistente social Ines Chuy Lopes e o médico Sessin Malek Mecheileh.
Eram 9 horas da manhã do dia 20 de julho quando Marlove, a esposa Juliana e duas crianças, o filho e um sobrinho, esperavam ansiosos do lado de fora do Hospital. Por conta da pandemia, a recepção não pôde ser dentro do HU. Eles, que aguardavam a chegada da equipe na rotatória da entrada, atravessaram a rua para encontrar Ines, Sessin e a assistente social Kelly Krezinski Crivoi. Os passos rápidos de Marlove não denunciavam, mas, por conta do acidente, ele teve parte da perna esquerda amputada.
Bem-humorado, Marlove puxou assunto sobre os 15 dias que passou internado. Olhando de canto para a esposa, disse: “voltei pra agradecer porque me contaram que dei muito trabalho”.
Como o caminhoneiro não se lembra do impacto ou da chegada no HU, a esposa Juliana é quem recorda de todos os detalhes. “O acidente foi às 4h da tarde. Eu soube perto das 20h, à noite, quando ele já estava hospitalizado. Meu filho ligou para o celular dele e um policial rodoviário atendeu. Disse que Marlove havia machucado o pé. Só quando cheguei aqui vi a gravidade do que tinha acontecido”, conta.
Foram quatro noites no estacionamento do HU até que um dos seguranças viu Juliana dormindo no carro e indicou o serviço social. Foi nesse momento que Ines e Juliana se conheceram. Além de conseguir uma casa de passagem, ajuda material, a assistente social preparou Juliana emocionalmente, para que ela pudesse apoiar o marido e o filho, que ficou com familiares no Rio Grande do Sul. “Sou muito grata por ela ter feito este trabalho. Consegui passar tranquilidade para eles”.
“Foi emocionante! Estavam nos aguardando em frente ao Hospital, sorrindo e irradiando gratidão! Traz uma sensação de dever cumprido”, recorda Ines.
Apoio
A família elogiou a estrutura e as decisões tomadas pela equipe multiprofissional, em especial, a opção pela amputação “mais alta”, que, segundo Marlove, proporciona hoje mais qualidade de vida e melhor encaixe da prótese. “Consigo dirigir normalmente. O doutor Sessin fez um trabalho maravilhoso”, diz. O ortopedista ficou emocionado com a visita. “Foi muito gratificante, principalmente, por saber que ele está ótimo, recuperou-se bem e que voltou às atividades que realizava antes do acidente”.
Juliana destaca o apoio emocional que recebeu. “A assistência social foi muito importante porque eu precisava estar forte para passar força para ele. Eu não queria assinar a amputação. Gostaria que ele decidisse, que soubesse antes, mas não deu porque estava inconsciente. Então, quando ele caiu na real, aceitou bem porque consegui passar isso para ele”.
Quando o pai chegou em casa, com a perna amputada, foi um choque para o filho Júlio, que na época tinha 6 anos. “Eu fiquei muito assustado”, disse. Juliana conta que o abalo do menino foi profundo. “Ele teve dificuldades para aprender a escrever. Tudo por conta do acidente”. Juliana relata que Ines a orientou como conversar com o filho sobre tudo que havia acontecido. “Ela disse para eu me focar sempre no lado bom. Marlove estava vivo e voltou para casa conosco”.
Para Ines, o trabalho multiprofissional realizado no HU-UEPG é, certamente, o responsável por esse sucesso. “A família grava o rosto e o nome de um profissional, mas representamos um grupo de pessoas comprometidas em prestar um serviço de excelência”.
Fé
“Acordo todas as manhãs e me ajoelho ao lado da cama. Faço a minha oração e agradeço por estar vivo, graças a Deus e ao atendimento que tive aqui”. A fé e a gratidão fizeram Marlove voltar ao HU. O reencontro com a equipe foi uma parte da promessa que fez: ir até a basílica de Nossa Senhora Aparecida e voltar a Ponta Grossa. “Entrei com o caminhão no pátio do santuário e agora estou aqui. Sempre agradecendo”. Com a promessa cumprida, ele se emociona: “Tenho pra mim que se não fosse o atendimento, a assistência que tive aqui, eu não estaria vivo para contar essa história”.
Acidentados
Quando uma vítima de acidente chega ao Hospital, o serviço social é responsável pelo acolhimento humanizado. “Muitas vezes, as famílias ainda não sabem do ocorrido e acabamos fazendo busca ativa em documentos, celulares, empresas empregadoras, cadastros nacionais, redes sociais. Enfim, procuramos identificar e contactar o mais rápido possível os familiares”, explica Ines.
Quando não há documentos e a vítima está inconsciente, a Coordenadoria de Comunicação da UEPG publica nas redes sociais imagens de tatuagens ou outras características, que não exponham o paciente, mas que tornem possível a identificação pela família.
Ines explica que, quando necessário, busca viabilizar transporte, hospedagem e outras necessidades que o familiar tenha para permanecer acompanhando seu ente querido. “Esse apoio é prestado durante todo o internamento e plano de alta hospitalar”. A assistente social detalha que, na alta, é acionada a rede de atendimento do município de origem para dar continuidade ao tratamento. “Fazemos isso para que a pessoa possa voltar o mais breve possível para sua rotina, conforme aconteceu com o senhor Marlove”.
Quando Marlove retornou para sua cidade natal, ficou afastado do trabalho e passou por tratamento de fisioterapia. Passado um ano do acidente, ganhou uma prótese conseguiu voltar pra estrada, fazer o que ama.
A felicidade não foi só dele, Ines se emociona ao falar do recomeço. “Fiquei muito feliz, ainda mais vindo de tão longe e dirigindo. Uma pessoa sofrer um acidente tão grave e conseguir retomar a vida nos motiva. É inspirador”.
Texto: Luciane Navarro Fotos: Luciane Navarro e acervo pessoal da família