O coração do hospital: a rotina da Central de Materiais e Esterilização durante a pandemia

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Uma lavagem cuidadosa, separação, esterilização, e os materiais reutilizáveis usados no hospital são preparados para voltar a uso no Centro Cirúrgico, Unidades de Terapia Intensiva ou outros setores. É uma linha de produção, com critérios rígidos de qualidade. A maioria dos pacientes nem sabe, mas o trabalho realizado na Central de Materiais e Esterilização (CME) do Hospital da Universidade Estadual de Ponta Grossa (HU-UEPG) contribui – e muito – para salvar vidas.

“Vamos bater de frente: vamos lavar, confeccionar, esterilizar o material, que a gente tem que pensar nos pacientes”. Na correria do trabalho, é nisso que pensa a técnica de enfermagem Michele Stobbe Mainardes, que trabalha há 6 anos no Hospital Universitário, sempre na CME. Quando vê que um paciente recebeu alta, se recuperou da Covid-19, ela se sente feliz por saber que contribuiu de alguma forma. “Eu acho gratificante porque tem um dedinho nosso lá no meio, sabe?”, comemora.

“A central de materiais e esterilização é um setor de assistência indireta à saúde”, explica a professora Ana Luzia Rodrigues, do curso de Enfermagem da UEPG. “O trabalho ali realizado é invisível para a maioria das pessoas, os inúmeros pacientes que se beneficiam de um cuidado seguro, utilizando produtos isentos de carga microbiana, dificilmente pensarão a respeito de como ou quem atuou para que aqueles produtos estivessem disponíveis com qualidade”. Por isso, aponta a professora, é pouco provável que as pessoas conheçam, ou reconheçam, ou importante trabalho desenvolvido no setor.

Como funciona a CME

No “coração” do hospital, a CME faz a limpeza, preparo, acondicionamento, esterilização, guarda e distribuição dos artigos médico-hospitalares. Esse trabalho contribui de forma significativa para a redução de infecções hospitalares, numa atuação que é associada a todos os outros setores do hospital.

Neste setor, o material sujo ou contaminado é recebido, lavado e higienizado. Depois disso, os materiais são embalados e preparados para a esterilização, que é feita por meios físicos (calor) ou químicos (através de soluções químicas). Os materiais esterilizados são acondicionados em uma área estéril, para então ser redistribuídos aos setores de origem. “Lava, processa, fecha, embala. É uma fábrica. E de novo, e de novo, e de novo. O trabalho não para, tem material aqui o tempo todo”, diz Karolline Dote, enfermeira coordenadora da CME. “É uma engrenagem muito importante do hospital”.

Dos bastidores da assistência aos pacientes, a CME prepara o material para que os atendimentos aconteçam com qualidade. “O paciente não vê a gente quando acorda, mas fomos nós que preparamos todo esse material para que ele seja atendido”, enaltece Karolline.

É uma atividade repleta de responsabilidade. “Se a gente falhar na hora da lavagem, na hora da inspeção do material, até mesmo na esterilização, na termodesinfecção, quem vai sofrer é o último ponto, que é o paciente”, alerta Michele. Por isso, em todas as etapas, a equipe toma cuidado com a higienização. “A gente pega o material, confere, olha com uma lupa, vê se está sujo, confere várias vezes para ter certeza, mesmo, de que não vai afetar o paciente. A gente tem que cuidar deles”.

Estágios

Mesmo durante a pandemia, a CME recebe estagiários. “Os avanços tecnológicos na realização de procedimentos minimamente invasivos para diagnósticos ou tratamento têm exigido que os enfermeiros e técnicos em enfermagem tenham conhecimento sobre o processamento de produtos para saúde, portanto é de extrema importância que esse assunto seja abordado na formação desses profissionais”, aponta a professora Ana Luzia.

A partir do estágio na CME, os acadêmicos do curso de Enfermagem da UEPG e de cursos técnicos na área têm contato com o trabalho na chamada assistência indireta, ou seja, os setores em que não há interação com os pacientes. A enfermeira Karolline comemora: “Eles formam um novo olhar sobre uma área que muitos não conhecem”.

Covid-19

Antes da pandemia de Covid-19, a rotina da CME já era agitada. “A gente chegava e já tinha paciente no Centro Cirúrgico começando cirurgia, então de manhã a gente já começava: lavar, lavar, lavar”, lembra Michele. “Às vezes o material da manhã precisava ser usado de novo à tarde, então era aquela agilidade”. Em março de 2020, a chegada do novo coronavírus suspendeu as cirurgias eletivas e o avanço da pandemia mudou completamente o perfil dos materiais que passam pela Central. “As preferências naquela época eram caixas de instrumental, principalmente para Ortopedia. Agora, não. Agora são os respiratórios. Então mudou totalmente a nossa rotina”, assinala a técnica de enfermagem.

“A Covid-19 potencializou a importância da CME para os serviços de saúde”, complementa a professora Ana Luzia. “Houve um aumento de volume de produtos empregados na assistência ventilatória e em procedimentos nas vias aéreas de pacientes com Covid-19, entre eles: circuitos ventilatórios, máscaras, conectores, traqueias”.

Diferente dos materiais cirúrgicos, que são, em sua maioria, metálicos, os materiais respiratórios são mais sensíveis, de plástico, e degradam mais rápido. A demanda de assepsia desse tipo de material, que antes da pandemia era para 10 ou 20 pacientes em uso de ventilador, agora foi multiplicada. “Hoje em dia são 60 pacientes em UTI, e pacientes que utilizam o suporte ventilatório. Além disso, a demanda passou a ser várias vezes ao dia, para que mais pacientes sejam supridos”, conta Karolline.

Com o aumento da demanda por leitos de UTI e a lotação total das unidades, foi necessário agilizar a liberação dos leitos após uma alta ou óbito – processo que depende, dentre outros fatores, da agilidade da CME, como enfatiza a enfermeira: “A gente não pode acelerar o processo das máquinas, por exemplo, mas pode não deixar o material esperando, para otimizar o máximo possível o retorno do material para circulação”.

Um quebra-cabeça: é assim que a enfermeira Caroline Vezine descreve a montagem das peças dos materiais respiratórios, que são específicas para cada marca ou tipo de respirador. “A gente teve que capacitar a equipe até na parte da montagem, porque não adianta o material estar limpo, estéril, mas estar montado errado para aquele respirador, por exemplo”.

Empatia

Além da parte técnica, a pandemia também afetou o emocional das equipes. “No começo, deu medo. Cheguei em casa e falei: ‘a gente vai começar a trabalhar com Covid’, e chorei, porque eu pensei no pessoal de casa”, lembra Michele. Com o passar do tempo, o medo foi diminuindo e dando lugar ao cuidado. “A gente acaba se acostumando. Chega aqui, tem que trocar de máscara, passar álcool em tudo, usar luvas quando vem material dos setores Covid, fazer a assepsia de tudo”, descreve a técnica de enfermagem. “É uma realidade com a qual a gente nunca imagina que vai trabalhar. Eu nunca imaginei na minha vida”.

“Dizer que alguém gosta da pandemia, ninguém gosta. Todo mundo quer vida normal”, garante Karolline. Assim como os outros setores do Hospital Universitário, a Central de Materiais e Esterilização precisou se reinventar. “Acho que eu nunca mais vou esquecer isso também… de saber que aquilo que estamos higienizando é a vida. A pessoa que usou está no limite da sua vida, foi o respirador que manteve ela respirando”.

“Futuramente, essa demanda de UTIs vai diminuir, mas nós vamos continuar”, prevê Caroline. “Daí a gente volta a fazer mutirão de cirurgias, tentar compensar o tempo em que ficaram paradas as cirurgias eletivas. Diminui a demanda de outros setores, mas a Central não para”.

Texto e fotos: Aline Jasper


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