Prae realiza ações da “UEPG está de olho” no racismo

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“Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor” (Desmond Tutu)

A Universidade Estadual de Ponta Grossa realizou nesta segunda-feira (21) ações de conscientização contra o racismo, que buscam dar visibilidade ao enfrentamento do tema na Universidade. Hoje, foram distribuídos adesivo e panfletos. Também foram colados cartazes em vários pontos, como restaurantes universitários e Colégio Agrícola. 

“Começamos com o adesivaço, mas é um projeto longo que vai envolver vários departamentos e vai seguir dentro das ações educativas relacionadas ao racismo no calendário do ano que vem”, afirma Marcela Teixeira Godoy, diretora de Ações Afirmativas e Diversidade da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae). 

O estudante angolano Crisóstomo Ngala participou da ação colando cartazes nos murais. “É necessário fazer essa campanha. Temos que fazer alguma coisa para que as pessoas estejam cientes de que o racismo é uma problema estrutural”, enfatiza. “As grandes mudanças acontecem com pequenos atos e pequenos gestos”.

A UEPG está de olho

A Universidade, por meio da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae), mantém ativa a campanha “UEPG está de olho”. A iniciativa, criada em junho de 2019, atua contra todas as formas de assédio e discriminações na instituição. Até o final do ano, a Prae desenvolverá, em diferentes datas, um trabalho de sensibilização dos públicos da instituição, por meio de panfletagens, palestras e rodas de conversa.

O combate à discriminação ocupa todos os ambientes da Universidade. Os canais de comunicação da Pró-reitoria, (42) 3220 3237 (whatsapp) e o e-mail praeescuta@uepg.br, estão abertos para receber denúncias. Foi assim que a instituição tomou conhecimento do  caso recente de  alunos que trocaram mensagens racistas em um grupo de aplicativo. O episódio segue sob investigação pela Universidade e pelo Ministério Público do Paraná. Na UEPG, as atividades do inquérito disciplinar, instaurado no mês passado, estão sob sigilo interno e as definições devem ser divulgadas em breve. 

Dia Nacional da Consciência Negra

No último domingo (20) foi celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, data em que morreu o líder negro Zumbi dos Palmares na sua luta contra a escravidão, no ano de 1695. É um dia de celebrar a liberdade e reforçar os ideais de igualdade racial. Como a história prova, a luta antirracista é um desafio da humanidade, talvez um dos maiores do nosso tempo.

A criação da data foi pensado por intelectuais negros, como o poeta e ativista gaúcho Oliveira Silveira, que mobilizaram o movimento negro e sugeriram, em 1971, que nesse dia fosse comemorado o valor da comunidade negra e sua contribuição à formação e ao desenvolvimento da nação.

Ao longo de sua história, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) tem defendido os princípios constitucionais e da Declaração Internacional dos Direitos Humanos que, em seu Artigo 1°, afirma com clareza e sem margem para interpretações: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.  Mas as correntes do racismo estrutural são mais fortes do que as próprias leis, como a Constituição Federal que em seu Artigo 7° diz: “Todos são iguais perante a lei e, sem distinção.”

Sistema de Cotas

Em agosto, a UEPG aprovou uma nova política de cotas para alunos que ingressarem na instituição por meio de Vestibular e Processo Seletivo Seriado (PSS). A Resolução nº 2022.28 foi aprovada em reunião do Conselho Universitário e é voltada a cursos da graduação presenciais, para candidatos oriundos de instituições públicas de ensino e aqueles que se autodeclarem negros ou com deficiência. A medida passa a valer já nos processos seletivos de 2022.

A partir deste ano, as vagas serão divididas em 5% para candidatos com deficiência; 5% para candidatos que se autodeclarem negros; 10% para candidatos que se autodeclarem negros oriundos de Instituições Públicas de Ensino; 40% aos candidatos oriundos de Instituições Públicas de Ensino; e 40% destinadas à concorrência universal. Os candidatos devem optar, a partir do triênio 2022-2024 do PSS, no momento da etapa 3, por uma das cotas. A partir de 2024, as cotas atingirão 100% das vagas, ao englobar Vestibular e PSS.

“Foi um passo muito importante, pois essa última resolução demonstra bem o compromisso que a Universidade assumiu para que efetivamente entrem mais pessoas negras na instituição, ao estabelecer parte das cotas para pessoas negras, independentemente de critérios sociais como ser estudante de escola pública”, completa Ione Jovino.

A estudante do curso de Jornalismo na UEPG, Quiara Camargo, conta que, além dela, há mais dois alunos pretos em sua turma e apenas uma estudante é cotista. Quiara esclarece que não conseguiu entrar pelo sistema de cotas antigo por ter vindo de uma escola particular, mesmo sendo bolsista. “Foi muito difícil ter acesso ao ensino público superior e mais complexo ainda está sendo permanecer, porque a Universidade ainda é muito branca, produz conhecimento e constrói sua existência de forma muito branca. É muito difícil para pessoas pretas se manterem emocionalmente bem nesse espaço”, lamenta ela.

Ela defende que a Universidade desenvolva mais políticas que estimulem a permanência desses estudantes e que contribuam com o ingresso no mercado de trabalho. “Normalmente os espaços são preenchidos por apenas uma pessoa preta. Essa limitação, quase uma cota, é muito pesada e até adoecedora. Profissionais pretos têm muito a acrescentar pela pluralidade e visão de mundo. A cultura preta é potente e linda. É preciso lembrar que a existência preta não é apenas sofrimento, é potência.”

A futura jornalista reforça que, ao longo da história, a sociedade pegou tudo que era da cultura preta sem dizer de onde veio. “Isso é muito pesado. Marginaliza-se o conhecimento preto até que ele se embranqueça. O funk, o jazz, o blues, diversos conhecimentos da medicina, da matemática e das ciências humanas são pretos. A África já produzia conhecimento há muito tempo, então o dia da Consciência Negra é pensar essa memória e cobrar uma dívida histórica e ancestral”.

A Universidade compartilha dessa visão e busca constante avaliação e evolução na inclusão. “A nova política de cotas é resultado de um estudo feito por quase dois anos e que foi muito voltado para os dados reais da Universidade. Estabelecemos uma meta: dentro de 12 anos, a UEPG quer de fato incluir 20% de pessoas negras em seu público”, anuncia a Pró-reitora Ione Jovino.

Copene 2023

No ano que vem, a UEPG vai sediar o VI Congresso Brasileiro de Pesquisadores (as) Negros(as) da Região Sul (Copene-Sul). O tema será sobre os 20 anos de oficialização da Lei 10.639/2003 que institucionalizou a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nas escolas e colocou o Dia da Consciência Negra dentro do calendário escolar.

A Resolução Nº 1, de 2004, do Conselho Nacional de Educação, estabeleceu as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, e é muito importante por falar do papel das universidades frente a esses conteúdos e da necessidade das instituições de ensino superior mexerem nos currículos, inserindo disciplinas e a temática nas atividades.

Outras leis vieram depois no Brasil, como a Lei 12.519/ 2011, que oficializou o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, garantindo que a data fosse lembrada em todo o país. Atualmente a proposta de tornar 20 de novembro feriado nacional aguarda a votação na Câmara dos Deputados, após ser apresentada e aprovada pelo Senado.  

Vale ressaltar também a importância da Lei 12.299/2010 que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial para garantir à população negra a igualdade de oportunidades e dar um basta em comportamentos motivados pelo preconceito. Grandes avanços vieram também com a Lei 12.711/2012 de cotas no ensino superior e com a Lei 12.990/2014 que reserva  20% das vagas em concursos públicos federais para negros.

Internacionalmente, a Assembleia Geral da Organização das Unidas proclamou o período de 2015 a 2024 como a Década Internacional de Afrodescendentes pela necessidade de reconhecimento, justiça e desenvolvimento.

Para Ione Jovino, Pró-Reitora de Assuntos Estudantis da UEPG e integrante do Núcleo de Relações Étnico-raciais, Gênero e Sexualidade da UEPG, os números da desigualdade racial no Brasil ainda justificam, infelizmente, que questões raciais ainda sejam temas importantes a serem tratados pela Universidade, assim como o combate ao racismo e às desigualdades geradas pelas questões raciais. “Temos dados alarmantes de desigualdade na educação e de como a violência atinge de forma diferente negros e brancos. A UEPG avançou muito nos últimos anos nas políticas de inclusão racial. Senão em termos de números de ingressantes e formados, em termos de políticas afirmativas”, reforça.

 

Texto: Sandrah Souza Guimarães | Fotos: Gabriel Miguel e Fábio Ansolin

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