Crítica do Fenata: O que significa perplexo?

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Os alunos do curso de Letras da UEPG estão preparando textos de crítica sobre os espetáculos da 47ª edição do Festival Nacional de Teatro (Fenata). As críticas são orientadas e revisadas pela professora Paola Scheifer. Sobre a peça “Leão no Aquário”, participante da Mostra Telmo Faria na noite de sexta (25), leia a crítica:


O que significa perplexo?

Um homem parado em frente a uma parede branca ouve batidas na porta. Algo absolutamente comum se torna um jogo que coloca o espectador em um estado de constante desconforto. É essa a clave da peça Leão no Aquário, da Cia Minha Nossa, de Curitiba, escrita por Diogo Liberano (RJ), dirigida por Vinicius de Souza (MG) e executada com o apoio do SESC.

Um homem decide morar sozinho. Desloca-se do seio social: sua família. Notícias horrendas – todas verídicas – são lidas em tom sério, e a pergunta paira: o que está acontecendo? A peça, apresentada na Mostra Telmo Faria, do 47o Fenata, traz duas atrizes e três atores que se revezam entre os papéis de homem, mãe, filho, ex-esposa e amigo. Quando a plateia começa a se acostumar com um ator interpretando determinado personagem, os papéis se alternam entre os atores no palco. Há um constante deslocamento, uma inquietação pulsante, da família com o homem, do homem com o mundo e, também, do próprio mundo, que permanece vomitando a barbárie por meio das notícias lidas. Isso causa uma identificação imediata, tanto do público com a peça quanto da peça com o mundo, demonstrando sempre a relação do desconforto da peça com a inquietação humana, em um jogo mimético constante. A inquietude, portanto, parece completamente plausível, pois é a conclusão de se viver em um mundo horrível, mundo esse onde há pessoas que queimam mulheres em praça pública por se recusarem a ser escravas sexuais – uma das notícias lidas.

O cenário, um dos elementos que dá o tom da peça, é apenas as arestas de um cubo de luz fria, assim como frias são as cores do figurino. Os personagens saltam, correm e se perseguem no palco, entrando e saindo desse cubo, que ora representa a casa do homem que mora sozinho, ora representa a parede branca, ora representa a casa da mãe. Um cinzeiro de um lado, uma mesa com jornais impressos do outro. As cenas são fragmentos dos encontros do homem com sua família, com o filho – que teima em querer saber o que significa a palavra perplexo –, com o amigo e com a mãe, que sempre busca fazê-lo mudar de ideia e voltar ao seio familiar. Tarde, porém, o homem já sente em suas costas o peso terrível da natureza humana.

Há momentos na peça que tiram risos da plateia. Esses, no entanto, amarelos, nervosos, em meio à complexidade do que ela representa. Esse nervosismo inerente ao riso tem uma boa justificativa, e isso se deve à iluminação, que mantém o palco e o público em um mesmo nível de luz. Isso reforça a proximidade e quase indissociabilidade entre a peça e o público, a ficção e o mundo real, convocando constantemente a plateia para dentro da cena, o que causa uma inquietação claramente proposital por parte do grupo.

A sonoplastia, caracterizada basicamente por harmonias tensas, é, também, um elemento bastante importante para o desassossego que toma conta de todos, personagens e plateia. As linhas extremamente precisas da trilha se remetem ao desconforto provocado pela peça como um todo, trazendo, muitas vezes, uma densidade maior às cenas mais dramáticas. Enquanto isso, a pergunta continua: o que está acontecendo?

É bastante presente a questão empática na peça. A identificação do público com a família do homem ocorre já nas primeiras cenas, auxiliada pela atuação impecável de todos os atores que se revezam nas personagens quase arquetípicas dos familiares: a mãe, preocupada com o filho que mora sozinho, se pega às vezes pensando sobre como será quando ela mesma estiver sozinha; o amigo, que nem sempre se dirige aos outros da forma mais branda, mas sempre pensa no bem do outro; o filho, hiperativo e curioso. A comicidade acontece intercalada a momentos de pura tensão, chegando a um grau tão elevado, que o público se vê prendendo a respiração.

Há um momento – o último ato – em que o público é convidado a subir ao palco. Cada ator desce e puxa uma pessoa da plateia pela mão, levando-a para dentro do cubo iluminado. Ali, juntos, eles conversam baixo, assentindo com a cabeça, negando, abraçando, rindo. A cena novamente evoca nos espectadores a pergunta: o que está acontecendo? É possível levantar a hipótese de que as pessoas que sobem ao palco, em algum momento, já haviam feito aquela cena, tal a simbiose observada nela.

Em síntese, a peça se constrói desde seu início em um clima desconfortável, levando seus espectadores para dentro do universo das inquietudes do homem que se sente inconformado com o mundo e opta pelo isolamento em relação a sua família, metonimicamente representada como parte da sociedade em que vive. Cada notícia lida, coloca-o em um contínuo retorno às indagações a respeito de sua família e de si próprio. O protagonista, visivelmente abalado, demonstra não se encaixar em lugar algum, apresentando-se sempre incomodado.

A peça Leão no Aquário nos catapulta para dentro da nossa própria consciência, revirando o sentido de nossa existência em meio a um mundo atroz, que não nos dá outra chance senão a de olharmos para ele com perplexidade. O que significa perplexo? A experiência de assistir a esse espetáculo nos coloca de certa maneira diante da resposta, afinal, não deveríamos estar todos perplexos ao olhar uma parede branca enquanto o temido leão bate à porta do nosso aquário?

Texto: Diego André Rocha, graduando do 3º ano do curso de Letras Português/Inglês da Universidade Estadual de Ponta Grossa

Foto: Aline Jasper


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