Nada sobre nós sem nós: evento aborda vivências neurodivergentes na UEPG

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Um espaço para falar sobre autismo e neurodivergência na Universidade. Na sexta-feira (07), o curso de Bacharelado em Química Tecnológica, Setor de Ciências Exatas e Naturais (Sexatas) e a Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) realizaram um painel sobre autismo: “Nada sobre nós sem nós”.

A diretora adjunta do Sexatas, Margarete Aparecida dos Santos, reforçou a importância dos debates para que a comunidade universitária entre em contato com o tema. “A inclusão social atua na contramão do preconceito e da discriminação, que precisam acabar em nossa sociedade” enfatizou. O estigma em torno de pessoas com autismo, segundo ela, tende a diminuir conforme a informação é mais difundida. “Conhecimento quebra barreiras e derruba preconceitos. Essa é a intenção deste painel”.

“Nossa função é dar voz, mas não falar por alguém”, destacou a diretora de Ações Afirmativas e Diversidade, professora Marcela Teixeira Godoy. Ela explica que o evento foi organizado e conduzido por pessoas dentro do espectro autista.

Neade-TEA

“O problema de ser autista é as pessoas acharem um problema ser autista”. A frase na camiseta de Luah Kugler, pesquisadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Ações da Diversidade Educacional (Neade-TEA), já deixa claro: não há problema nenhum em ser diferente. Para ela, é preciso falar sobre aceitação do autismo, para além da conscientização sobre o tema. “O autismo não é uma doença, é uma condição neurológica, um transtorno global do neurodesenvolvimento. É como eu funciono”, explica. “Todo ser humano nasce com um olhar empático ao outro. Que não nos percamos no caminho”.

O Neade é uma iniciativa da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti) com as Universidades Estaduais do Paraná, que busca identificar estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na rede pública de ensino fundamental, médio e superior, em todo o território paranaense, para elaborar políticas públicas para o suporte adequado aos alunos. A atuação em rede das Universidades vai durar dois anos e deve resultar em um e-book, além de ações práticas de orientação e explicações sobre o TEA. Como explica a professora Ione Jovino, pró-reitora de Assuntos Estudantis e coordenadora do Neade na UEPG, o projeto engloba pesquisas e ações, com mapeamento de dados, proposições de políticas públicas públicas e projetos, promoção de ações de conscientização e formação. “A inclusão tem muitos aspectos, desde os de estrutura, que tem a ver com acesso aos lugares, até os que implicam em mudanças de valores e atitudes, mudanças de perspectivas”.

Em todas as Universidades Estaduais do Paraná, o Núcleo conta com um(a) bolsista-pesquisador. Na UEPG, Luah tem mais do que o interesse em estudar o autismo: ela mesma está dentro do espectro autista, foi diagnosticada com o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e tem um filho autista. Para ela, essa vivência proporciona um olhar diferente sobre a inclusão de alunos com deficiência no ambiente escolar e universitário. A professora Ione reforça a importância da congruência entre Luah ser autista e ter interesse de pesquisa sobre o tema: “É a união das duas coisas que permite que ela nos oriente, que fale em primeira pessoa para que possamos nos aprofundar e aprendamos também a conviver com sua neurodivergência”.

Vivências

“Eu senti a dor do outro”. Com um poema de Marcos Siscar, “O Roubo do Silêncio”, o professor Daniel de Oliveira Gomes, de Letras, iniciou sua fala no evento. “Senti a dor como quem fica doente sem motivo, como quem aceita uma doença incurável, troca aos poucos a ideia da morte pela morte. Senti dor sem humanismo, sem humanitarismo, sem ao menos necessidade de ser humano. Senti a dor incondicionalmente, como quem nem ao menos salva a humanidade. Apenas se sente dor quando se está vivo, quando por acidente alguém se pega rindo sem motivo, corta um riso no meio entre amigos”.

“Tenho notado que poucos professores estão se declarando no espectro autista, nestes eventos”, declarou o professor. Ele, que se descobriu autista e com TDAH durante a pandemia, fez o oposto do que lhe aconselhavam colegas de profissão (se manter “dentro do armário”): “Sem querer, eu fui me vendo um ativista”. Ele destacou, na fala que encerrou o evento, a importância de ter uma militância positiva e de debater o espectro autista nos mais diversos âmbitos. “O autismo está em uma sociedade que é composta pela diferença. Espero ver mais professores fora dos armários”, finalizou.

“O autismo é sobre os comos, quandos, quantos e porquês, e não é tanto sobre os quês. Todo mundo tem características típicas do autismo em algum nível, é uma variação natural”, ressalva o acadêmico de Letras Eduardo Espíndola Campos. “O que configura o autismo é o modo, intensidade e quantidade de um conjunto de características que clinicamente são suficientes para um diagnóstico de autismo”. Em sua fala no evento, ele abordou os traços autistas, as competências neuroatípicas e particularidades como a observação de padrões e mascaramento, comuns em autistas com grau 1 de suporte.

O evento contou ainda com a fala dos acadêmicos Hiago Rocha Siqueira, de Agronomia, sobre sua vivência como autista e TDAH, e Guilherme Augusto da Rocha, de Medicina, que abordou a perspectiva histórica do autismo na sociedade e a inclusão no ambiente universitário. “Quando a pessoa recebe o diagnóstico de autismo, não muda nada, porque ela nasceu assim. A gente não é diferente. Tem um tronco, abdômen, duas pernas, dois braços, uma cabeça”, reforçou Guilherme. “A sociedade precisa do respeito mútuo para se desenvolver”.

Texto e fotos: Aline Jasper

         


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