A Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) recebe, pela primeira vez, alunos indígenas em um programa de Pós-Graduação. Em 2020, o casal Alexandre Kuaray de Quadros e Regina Kosi dos Santos iniciou as atividades no Mestrado em Estudos da Linguagem.
“Para nós, é importante ter alguém buscando mais sobre a educação, saúde, sobre aquilo que nossa comunidade precisa para se erguer e enfrentar os problemas que vêm adentrando nossas comunidades”, enfatiza Regina. Para ela, cursar um mestrado abre portas para os outros indígenas: “Não só para o povo kaingang e para o povo guarani, mas para todos os povos brasileiros”.
Em 19 de abril, comemora-se em toda a América o “Dia do Índio”, que lembra e reforça a identidade dos povos indígenas. A data marca a realização do 1º Congresso Indigenista Interamericano, no México, em 1940, e foi criada para incitar o estudo das problemáticas que cercam o contexto indígena na sociedade atual.
“Não há forma mais justa de comemorar esta data do que agradecendo a coragem de um casal de indígenas que, vencendo todos os preconceitos, concluíram uma universidade pública. E, como reitor, é um orgulho institucional que esta universidade seja a UEPG”, comemora o reitor da UEPG, professor Miguel Sanches Neto. “Que mais representantes dos povos indígenas possam ter acesso ao ensino superior público no Brasil”, aponta.
O pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, professor Giovani Favero, reforça a importância dessa representatividade: “Foram dezoito anos, uma maioridade, para que a UEPG tivesse os primeiros pós-graduandos indígenas”. Ele acredita que a presença de indígenas nos cursos de pós-graduação deve ser constante, nos próximos anos. “A diversidade cultural é um fator maravilhosamente importante para o crescimento de todos que estão envolvidos nesses processos de formação. Quem ganha com isso é o colega de turma, o orientador, a comunidade universitária, a aldeia de origem e a sociedade como um todo”, destaca.
O acesso ao ensino superior pelos povos indígenas, como enfatiza a professora Letícia Fraga, representante da UEPG na Comissão Universidade para os Índios (CUIA), é essencial para que essas pessoas possam exercer diversas funções e ter cada vez mais autonomia, deixando de necessitar de intermediários para ter acesso a seus direitos fundamentais. “Com formação superior, essas pessoas podem atuar, como diretores, pedagogos, docentes temporários ou efetivos nas escolas e efetivamente garantir que tenhamos uma escola indígena específica, diferenciada, intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária, conforme define a legislação nacional”, afirma.
Além dos dois acadêmicos na pós-graduação, hoje, a UEPG tem 26 acadêmicos indígenas nos cursos de graduação. Até 2019, dez indígenas concluíram graduação pela instituição, sendo três em Direito, dois em Pedagogia e um em cada destes cursos: Serviço Social, Agronomia, Odontologia, Geografia e História.
Representatividade e Permanência
“A trajetória do Alexandre e da Regina é bastante significativa para a UEPG. Ambos são os primeiros estudantes indígenas formados pela instituição em seus respectivos cursos”, observa a professora Letícia. Alexandre é da etnia Guarani e concluiu a graduação de Licenciatura em Geografia na UEPG em 2018, enquanto que a formatura de Regina no curso de Licenciatura em História aconteceu em março de 2020.
“Nós nos conhecemos na universidade e desde 2015 estamos casados, ou seja, são quatro anos enfrentando as batalhas juntos, um dando apoio e incentivando ao outro”, conta Regina. Agora, eles participam juntos do Mestrado em Linguagem. “Quero terminar o mestrado, quem sabe tentar um doutorado, e depois voltar para minha comunidade indígena. Não estava em nossos planos ficar em Ponta Grossa, mas a gente pensa que precisa ter alguém que corra atrás de educação, de saúde, para que a própria comunidade melhore”.
A professora Letícia enfatiza que o exemplo é representativo, e ,portanto, deve incentivar outros indígenas a continuar os estudos. “Mas juntamente com o incentivo, a universidade precisa possibilitar condições de permanência na graduação (para que então os estudantes possam concluir os cursos) e acesso e permanência na pós-graduação. A evasão de estudantes indígenas, assim como de não indígenas, é algo complexo, mas passa longe de ser uma questão de não querer (mais) estudar”, ressalta a professora, que também participa do Coletivo de Estudos e Ações Indígenas (CEAI) na UEPG.
A permanência dos estudantes indígenas na universidade é, também, um problema destacado por Regina. Ela explica que são dois pontos principais que fazem com que o aluno indígena acabe desistindo de seu curso: a adaptação cultural e o preconceito. “A trajetória do acadêmico indígena na universidade é uma trajetória muito difícil, e a gente tem os pontos positivos e negativos. É um embate muito grande para nós indígenas, é adentrar num mundo diferente. Nossa vivência é uma vivência diferente”, diz.
Como conta a kaingang, muitos indígenas chegam à universidade sem ter conhecimento da língua portuguesa, então acabam se deparando com uma linguagem acadêmica e de difícil compreensão. “Entrar na cidade já é uma adaptação complicada para nós, então você imagine entrar em uma graduação e receber uma linguagem acadêmica, uma linguagem que você não entende. Naquele turbilhão de problemas, você se pega aprendendo o português, não entendendo o texto, os professores falando e você sem saber o que eles estão falando”, expõe Regina.
O preconceito é outro grande problema enfrentado pelos alunos indígenas. “Estar dentro da Universidade e falar sobre o preconceito é uma forma de melhorar esse caminho para que outros alunos indígenas não entrem na universidade com a mesma visão que eu entrei e não sofram os mesmos problemas que eu sofri”, pontua a licenciada em História.
Trajetória da Regina
“Ver a Regina receber o diploma dela é uma emoção muito grande.Todos meus ex-alunos que eu vejo formados, profissionais, são um orgulho para mim. Você vê que a sementinha que plantou deu resultado”. Na formatura de Regina, em 03 de março, a professora foi convidada a entregar o diploma para a aluna que ajudou a alfabetizar. “A gente lutou muito por aquele povo, chorou muito por eles, sofreu muito, e sorriu também. Não foram 30 dias, foram 30 anos de convivência. Sou grata a eles por serem parte da minha vida. Vivi mais com eles do que com meus filhos”, rememora.
Texto: Aline Jasper | Fotos: Aline Jasper e Luciane Navarro