Ao contrário do que se poderia imaginar, 2020 vai ficar registrado na memória do professor Antonio Liccardo como o ano da realização de um sonho: o Museu de Ciências Naturais (MCN-UEPG), um complexo científico-educativo-turístico, com 1800 peças de geodiversidade e biodiversidade. A Universidade Estadual de Ponta Grossa poderá abrir o espaço ao público em 2021, com a volta das atividades presenciais.
A UEPG, que é referência nacional e internacional nos estudos de Patrimônio Natural, Paleontologia, Astronomia e Turismo de Natureza, organizou o espaço de exposição em 50 temáticas, que tomaram conta do local onde era a antiga biblioteca do campus Uvaranas, no Centro de Convivência. As peças têm origem em dois projetos que receberam cerca de 30 mil pessoas na última década, cerca de 3 mil por ano. Os projetos de extensão que cederam o acervo foram: Geodiversidade na Educação – criado em 2011 pelo Departamento de Geociências (Degeo); e Zoologia em Foco – coordenado pelo professor Denilton Vidolin do Departamento de Biologia (Debio) desde 2015.
Toque pessoal
Muito da exposição de geodiversidade tem origem na coleção pessoal do professor Liccardo. Das 75 vitrines distribuídas criteriosamente nos 800 m2 do Museu, parte abriga peças colecionadas ao longo de 20 anos de estudos e viagens pelo Brasil e mundo afora. Mostrando o local, no trajeto entre as exposições e as áreas de reserva técnica, salas de pesquisa, laboratório de réplicas e maquetes, sala de administração e espaço para oficinas, o professor conta a história peculiar de alguns objetos.
Apontando aqui e lá, Liccardo confessa que já imagina, no pós-pandemia, o espaço cheio de crianças curiosas, encantadas com tantas descobertas: pedras da Lua, meteoritos, gemas raras, fósseis de dinossauros, animais empalhados, planetário, entre outras. “Elas podem passar o dia todo aqui”, diz enquanto mostra uma instalação ao ar livre do Paraná Geoturístico. São 20×30 metros, com painéis e amostras de rochas.
“Nossa coleção no Laboratório de Estratigrafia e Paleontologia é enorme (milhares de peças), mas para a exposição foram selecionadas apenas algumas devido ao espaço das vitrines”, detalha Bosetti. Os períodos geológicos da exposição são predominantemente do Devoniano (400 milhões de Anos), Permiano (250 milhões de anos), Cretáceo (65 milhões de anos) e Pleistoceno (10 mil anos).
Pesquisa e Estágio
O docente aponta vantagens acadêmicas. “Com o MCN, abre-se também um campo importante de estágio dentro da instituição. Propomos a ideia de coleção científica, para que os estudantes aprendam a trabalhar com isso e recebam pesquisadores de todo o Brasil”.
Etapas
A estruturação do Museu de Ciências Naturais envolve o trabalho coordenado entre a Reitoria, Pró-reitoria de Planejamento (Proplan), Pró-reitoria de Assuntos Administrativos (Proad) e Prefeitura do Campus. A primeira fase com o delicado transporte das peças, organização do mobiliário, vitrines, painéis e coleções está pronta, restando a pintura do prédio e a identidade visual.
Em 2021, a segunda etapa envolve a montagem de um miniauditório, um planetário inflável, expositores de banners e espaço de convivência com mesas, cadeiras confortáveis e tomadas para celulares e computadores, que deve acontecer no atual Centro de Convivência, também com uma área em torno de 800 m2.
“A previsão é de que todas as etapas estejam implantadas em 2021 e esse complexo científico-educativo-turístico esteja amplamente disponível ao público”, exalta Liccardo.
Semente
O professor completou dez anos de UEPG em 2020, outro motivo para comemorar. Chegado aqui em 2010, no ano seguinte ao ingresso como professor no Degeo, criou o projeto de extensão Geodiversidade na Educação. “Acho que esta foi a semente do Museu de Ciências Naturais. O material geocientífico ficava nos corredores do Bloco L do Campus Uvaranas. A exposição e apresentação do conteúdo ao público, escolas principalmente, trouxe muito aprendizado e uma grande evolução nos conceitos”, recorda.
Dos dez anos de UEPG, dois e meio foram dedicados à montagem do Museu. “É um momento muito importante para mim, profissionalmente e emocionalmente”, confessa.
O trabalho começou em 2018, no início da gestão de Miguel Sanches Neto. À época, o sonho do professor Liccardo estava em sintonia com um dos principais planos do novo reitor: trazer mais movimento ao campus Uvaranas, com o projeto Campus Parque. “O Museu de Ciências Naturais é uma conquista para a Universidade, pois será ao mesmo tempo um espaço de pesquisa e de extensão com monitoria de pós-graduandos, e estará integrado ao Campus Parque, como uma opção de visitação para a comunidade. Além disso, o Museu faz a integração de acervos que estavam dispersos e mal alojados na Instituição, o que facilita a divulgação científica”, comemora o reitor Miguel Sanches Neto.
“O Museu traz esta ideia bacana da reitoria, o Campus Parque. O MCN será um cartão de visitas fantástico, para que as pessoas tenham informação, cultura, além de atrair o turismo para a UEPG”, diz com entusiasmo Denilton Vidolin. Ele avalia que o Museu será um ponto de turismo, lazer e cultura aberto à comunidade, com uma abordagem geral, do Paraná, regional e local. “As pessoas terão uma experiência de imersão”, diz.
Liccardo relata também que há uma intensa movimentação junto à Superintendência de Ensino Superior e Tecnologia (Seti) e Fundação Araucária para fortalecer e dar suporte aos museus universitários no Paraná. “Estamos num momento muito promissor para iniciar as atividades deste Museu de Ciências Naturais da UEPG. O espaço é uma vitrine do importante acervo científico da UEPG acumulado por seus pesquisadores ao longo de décadas e também da pesquisa de ponta que a instituição vem realizando, principalmente nesta área das ciências naturais”.
“Temos uma parceria com o Museu Campos Gerais (MCG-UEPG). O professor Niltonci Chaves está liderando a Associação de Museus dos Campos Gerais e outros espaços de divulgação científica, como o Parque da Ciência em Curitiba”, acrescenta.
Origem
O Museu, que agora se torna realidade, vem sendo lapidado no imaginário do professor desde a infância. O pai, Michele Liccardo, imigrou para o Brasil em 1961. Vindo de Nápoles, Itália, constituiu família em Curitiba. “Devo o gosto pelos museus ao meu pai italiano, que me fez visitar muitos museus quando criança. É parte da minha formação”.
Para Liccardo, os Museus são espaços valiosos para a educação. “A educação não formal, como tem sido chamado esse fenômeno que acontece nestes espaços, é muito importante na formação de cidadãos e ainda é uma lacuna, pouco desenvolvida no Brasil”, reflete.
Sobre os tempos de UFPR, lembra que os estudantes eram treinados para atuar na prospecção e produção mineral. Com este perfil de formação, na Curitiba de 1990, quando o recém-graduado Liccardo ingressou no mercado, o Brasil vivia uma crise no setor, o que o levou a trabalhar no ramo de minerais raros. “Viajei por todo o Brasil e conheci as principais jazidas”. O resultado foi a criação da Pietra Nobile, negócio familiar que é um cartão postal Curitibano, no Largo da Ordem. Os pais e o irmão assumiram a loja para que Liccardo se dedicasse à educação. Hoje, a filha se somou a eles na condução da empresa.
Seguindo o caminho das pedras, na década de 1990, Liccardo foi para Minas Gerais, onde fez especialização em Gemologia (1991), mestrado em Evolução Crustal e Recursos Naturais (1999) e doutorado em Ciências Naturais (2003), todos na Universidade Federal de Ouro Preto.
“Tive a oportunidade de estudar, de atuar, fotografar e pesquisar dentro do Museu de Ciência e Técnica, que é o maior acervo de mineralogia da América do Sul”. Na UFOP aprendeu também a importância de aliar o ensino formal e oportunidades de se conhecer a natureza pelo turismo e por exposições de materiais excepcionais reunidos.
No Espírito Santo, o professor participou do projeto do Museu de Geociências em 2003 e, no Paraná, trabalhou na proposta do museu que seria construído no Parque Estadual de Vila Velha (PR). “Ambas as experiências foram frustradas. Porém, em 2009, ajudei a montar o museu de mineralogia do extinto Serviço Geológico do Paraná (Mineropar), em Curitiba, o que me trouxe bastante alegria e satisfação”, diz. Liccardo explica que esse espaço na Mineropar recebia 10 mil pessoas por ano em Curitiba e tinha um papel importantíssimo na divulgação de geociências para o Paraná. “Hoje este acervo está no Parque da Ciência, bem instalado e disponível para a visitação pública – o que é crucial para a sua preservação”, conclui.
Texto e fotos: Luciane Navarro