A maternidade marca o início de um ciclo na vida das mães, que traz um novo entendimento sobre si mesmas. Para Luah, essa é uma verdade com significado único. Pesquisadora bolsista no Núcleo de Estudos, Pesquisas e Ações Frente à Diversidade Educacional: um olhar para o TEA da Universidade Estadual de Ponta Grossa (Neade-TEA UEPG), Luah Kluger conta como o diagnóstico de autismo de seu filho, Cícero, ajudou-a a descobrir que também é autista e a mergulhar de cabeça nos estudos sobre o tema.
A jornada de descobertas sobre o TEA teve início aos 18 meses de Cícero, quando Luah observou que ele parou de desenvolver algumas habilidades, como a fala, e tornou-se mais seletivo para a alimentação, recusando a maioria dos alimentos oferecidos. Foi durante uma consulta fonoaudiológica que se levantou a possibilidade de autismo, a qual foi confirmada em exame neuropediátrico.
Após o diagnóstico, Luah dedicou-se a pesquisar sobre o Espectro. Ficou conhecendo melhor o perfil sensorial seeker, autistas que buscam estímulos sensoriais e têm pouca sensibilidade a dor e mudanças de temperatura. Quanto mais se dedicava a estudar sobre o TEA, mais Luah se identificava com os sinais, sobretudo com questões de comunicação e interação social. Após procurar uma clínica especializada em autismo em adultos, sua suspeita foi confirmada. Ela recebeu o diagnóstico de que também era autista, nível de suporte 1.
A experiência como pessoa autista, compartilhada com o filho, se reflete no trabalho como pesquisadora. Antes do diagnóstico de Cícero, trabalhar com o tema do autismo não passava pela cabeça de Luah, que tem formação em Letras. Mas os estudos que fez sobre o transtorno do espectro autista a levaram ao Neade-TEA da UEPG e a iniciar sua segunda graduação, em Psicologia. Atualmente, o seu trabalho no Núcleo consiste no mapeamento de alunos autistas nas escolas e universidades públicas do Paraná dentro de uma pesquisa sobre a realidade da inclusão nos ambientes de aprendizado.
Para Luah, o principal objetivo do seu trabalho como pesquisadora é dar visibilidade às pessoas autistas e promover a conscientização pelos seus direitos. “O fato de ser ‘objeto’ da minha própria pesquisa, impacta completamente o trabalho. Tenho um lugar de fala ‘privilegiado’ para abordar o tema, sem jamais desconsiderar as diferentes formas que o espectro se manifesta”.
“A maternidade atípica é política”, destaca a mãe. Ela relata que a luta para combater o capacitismo é constante, assim como a preparação de seu filho para enfrentar o mundo, com todas as intervenções e adaptações necessárias. “Mas e o mundo, os outros e seus filhos estão sendo preparados para conviver com pessoas como Cícero?”, questiona. Luah não esconde que o medo de como será o futuro para seu filho é constante, mas reforça a mensagem de que é possível crianças neurodivergentes se desenvolverem plenamente, com saúde e integradas à sociedade.
Propósito maior
A maternidade é um aprendizado diário, conclui Gislaine Rocha Simões. Professora do curso de Direito, advogada, ativista pelos direitos das pessoas com deficiência e mãe do Rafael e do Theo, Gisa, como é conhecida carinhosamente, fala sobre os desafios da maternidade atípica e de criar dois filhos diagnosticados dentro do Transtorno do Espectro Autista. Ela descreve o maternar como a diferença entre o que a pessoa pretendia e o que ela realmente precisa ser. “De uma forma surpreendentemente positiva, é o divisor de águas sobre os conceitos de felicidade e de amor”.
Ela confessa que constantemente sussurra aos meninos: vocês me fizeram alguém com uma significado maior. “Eu passei a entender que o objetivo de uma mãe deixa de ser o de preparar uma boa pessoa para entregar ao mundo e passa a ser fazê-la alcançar o máximo da autonomia e da felicidade”. Além de mudar a visão sobre maternidade, o diagnóstico de seus filhos trouxe à professora novos objetivos de vida e se antes as conquistas eram definidas pelo sucesso na carreira, hoje a maior realização pessoal é a possibilidade de criar um mundo que receba seus filhos e pessoas neurodivergentes com mais amor.
Gisa explica que seu trabalho como advogada e professora de Direito também são ferramentas para falar sobre maternidade atípica e os direitos das pessoas com deficiência (PcD) e neurodivergentes. Entre os resultados da sua luta, ela observa que houve um aumento do interesse dos alunos que passaram por suas aulas e palestras a estudar o tema. “Muitas alunas que se tornaram mães atípicas relatam que conseguiram identificar os sinais em seus filhos o mais breve possível, porque, seja em uma palestra ou em conversas informais, havia algo a ser aprendido”, celebra a professora.
“Eu me sinto muito mais agregadora, como alguém que pode fazer alguma diferença ao contar minha história, a usar dos espaços que me permitem para fazer com que muitas outras pessoas sejam apresentadas a este desconhecido”. Ela destaca que o trabalho como advogada possibilitou o aprofundamento no estudo da legislação pela busca ao cumprimento dos direitos e como professora utiliza os espaços acadêmicos para incentivar o aprofundamento no tema, visto que não é contemplado em disciplina dedicada ao estudo de tais direitos.
Para ela, as suas profissões se tornaram extensões do papel em que a maternidade atípica a colocou. Ela observa que o diálogo com a vida profissional se moldou naturalmente com os desafios, permitindo experimentar e compartilhar os desafios diários dentro de uma sociedade pouco preparada. “O sentimento é próximo a uma missão, uma necessidade. Como se a vida estivesse me preparando para ser instrumento de alguma coisa maior”.
Texto: Gabriel Miguel | Fotos: Gabriel Miguel e arquivos pessoais