Empatia do outro lado da linha: estudantes de Medicina mantêm familiares informados sobre pacientes do HU-UEPG

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Perto das 19 horas, o telefone toca e vem o alívio. Uma voz do outro lado da linha traz notícias sobre um pai, um filho ou uma mãe em tratamento no Pronto Atendimento para Covid-19 do Hospital Universitário. De forma simples e acolhedora, o quadro clínico do paciente é detalhado por um estudante de Medicina da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Essa rotina de contatos, realizada pelos formandos desde março, ganhou reforços. Novas vozes, dos estudantes do terceiro e do quarto anos, se uniram ao grupo na semana passada.  

Até 30 de junho, o HU-UEPG tratou 4199 pacientes na ala Covid-19. Nenhum deles recebeu visitas, mas isso não impediu que os familiares tivessem informações atualizadas sobre o estado do seu ente querido, seja pelo médico, seja pelos estudantes de medicina, quando os internamentos são no Pronto Atendimento Covid-19. Com o acirramento da pandemia em 2021, que  sobrecarregou ainda mais as equipes médicas e de assistência social, em 20 de março desse ano, os acadêmicos do quinto e sexto anos de Medicina assumiram as ligações referentes aos pacientes do Pronto Atendimento. Os informes para pacientes internados em outras alas Covid-19 do Hospital Universitário são realizados pelos médicos. 

De segunda-feira a sexta-feira, a partir das 19 horas, e no sábado, depois das 10h, os futuros médicos realizam uma leitura humanizada do prontuário eletrônico e esclarecem dúvidas dos familiares. Quando os questionamentos persistem, é solicitado apoio ao médico assistente.

“Nós realizamos as ligações à noite. Nesse horário, estamos sem atividades acadêmicas e os familiares já estão em casa  aguardando as ligações. Estando aqui no hospital, acessamos o sistema de prontuário, passamos a evolução, medicações, quadros de melhora ou agravamento, como casos que são encaminhados para Unidade de Terapia Intensiva”, detalha Cassiano Ianke, acadêmico do quarto ano. 

Felipe Ferreira da Silva cursa o terceiro ano de Medicina e estava na expectativa de uma oportunidade para atuar no Hospital. “As ligações são uma forma de nos inserirmos nas atividades da Covid-19. Afinal, a gente se sentia impotente pelo fato de sermos estudantes de Medicina e, em meio a uma pandemia, não podermos fazer nada”. 

Do outro lado 

Nicolle Barauce Freitas, estudante do sexto ano, lembra de uma  família, em especial. Por três dias seguidos, segunda, terça e quarta, ela ficou responsável pelo relato do mesmo paciente. “No terceiro dia de contato, ele saiu da intubação e passou para baixo fluxo de oxigênio. Quando dei a notícia, do outro lado da linha, os familiares gritavam, expressando muita felicidade. Foi um momento de êxtase. Eu nem conseguia mais falar com eles. É gratificante”. Para Nicolle, foi um momento marcante, em que a família emocionada agradeceu a ela e à equipe do Hospital Universitário. 

Diante de informações negativas na evolução dos pacientes, Nicolle diz que é preciso ter cuidado na escolha das palavras e passar a informação clara. A primeira vez que precisou que informar sobre duas paradas cardíacas de um paciente com risco iminente de morte ficou na memória. “Às vezes, é algo esperado, no caso de um paciente que vem agravando. Mas, às vezes, é difícil porque a família não está esperando”.  

Humanização
A atividade é supervisionada pela professora do curso de Medicina, Elise Souza dos Santos Reis. Em termos didáticos, a docente reforça que as ligações ajudam no desenvolvimento da habilidade de comunicação, empatia e humanização do serviço de saúde. Para os acadêmicos dos últimos dois anos do curso, a atividade é ligada ao internato. Já para os estudantes dos terceiro e quarto anos, complementa parte da carga horária das aulas práticas da disciplina de Psicologia Médica, perdida por conta da pandemia. “As ligações também pontuam como parte do projeto de extensão da atividade de Diagnóstico Diferencial e Raciocínio Clínico”, informa.

“O serviço social do Hospital Universitário separa, ao final do dia, a lista dos pacientes internados, e distribui os pacientes, de acordo com minhas orientações prévias, as ligações”, detalha a professora. Atualmente, 19 alunos realizam a atividade em escalas. Os formandos ficam com os relatos dos pacientes mais graves e os estudantes dos terceiro e quarto anos ficam com as ligações dos casos leves. 

Antes de assumir as ligações, o grupo passou por um treinamento com a professora Elise. “Procurem retornar sobre o mesmo paciente por três dias, pelo menos, para que haja um laço, um vínculo com o familiar”, recomendou a professora. Entre as orientações, fichas e simulação de situações de atendimento que fizeram parte da preparação, um pedido importante: “Coloquem-se no lugar do familiar. Pensem que vocês estão do outro lado da linha recebendo informações sobre o amor da sua vida”.

A dor do outro

A chefe da divisão de serviço social, Ines Chuy Lopes, detalha que, com a restrição dos contatos presenciais entre familiares e equipe multiprofissional, que passaram a ser por chamadas de vídeo e ligações telefônicas, surgiram sentimentos de angústia, insegurança e até revolta. “Os contatos para repasse de quadro clínico são de extrema importância para que a família acompanhe a evolução de saúde de seu familiar e sinta segurança no atendimento que está sendo realizado ao seu ente querido”.

A professora Elise enfatiza descreve a oportunidade como uma experiência ímpar. “A dor do outro fica mais próxima da realidade do estudante, levando assim ao aprendizado não só como profissional de saúde, mas como ser humano. Além disso, trabalha a comunicação que um profissional de saúde deve ter com os pacientes e familiares, uma linguagem clara, objetiva”. 

Em torno do aprendizado, a chefe do serviço social complementa que, para o processo de formação profissional, além de todo o conhecimento técnico que pode ser desenvolvido pelos estudantes, é possível destacar o aprimoramento de habilidades relacionais, que agregam uma postura mais acolhedora e humanizada ao profissional em formação. “Eles passam a ter uma visão mais ampla de todo o processo biopsicossocial que envolve o internamento, de todas as questões sociais que envolvem e da importância de atendimento humanizado para o tratamento do paciente e para a família que precisa estar suficientemente segura e esclarecida para se preparar para receber o paciente no pós-alta”.

Para ela, “a presença dos estudantes neste momento é crucial para que a população sinta maior proximidade com o Hospital e com a equipe multiprofissional, sinta-se esclarecida sobre os procedimentos realizados e acolhida em suas angústias e temores diante desse quadro tão diverso que a pandemia nos impôs”. 

Fazer a diferença

Durante o tempo que acompanha as ligações, Ines identificou que a maioria das famílias relata muita gratidão por essa ação, pois não poder estar perto do seu familiar causa muito sofrimento, angústias e inseguranças. “A hora das ligações dos estudantes é esperada com bastante ansiedade pelas famílias”, diz.

Felipe diz que o papel dos médicos em formação é importante para amenizar a distância. “A aflição é grande quando se tem alguém internado e não se tem informações, não é possível visitar. Então, tentamos amenizar, somos atenciosos ao máximo porque a gente entende o sofrimento de quem está do outro lado”. 

Falta muito pouco para a estudante Nicolle Barauce Freitas ser médica. Nicolle vai lembrar que “os parentes dos pacientes estão sempre abençoando a gente. Agradecem sempre. À noite, eles ficam esperançosos esperando nosso contato porque não têm ideia do que passou durante o dia com o paciente. A gente vê que faz a diferença mesmo”. 

Texto: Luciane Navarro    Fotos: Aline Jasper


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