Nos últimos anos as Universidades Públicas, onde se concentra a maior parte de produção científica da nação, enfrentam uma narrativa que, na essência, questiona sua importância e prega sua dispensabilidade por ser um ônus financeiro ao Estado Brasileiro. De acordo com essa linha argumentativa, o mercado supriria a produção de conhecimento e a formação de mão de obra qualificada, desonerando o estado. Em alguns poucos países de primeiro mundo, dizem, isso é uma realidade.
Na base dessa concepção está o entendimento de que a maioria da população deve contratar sua própria provisão social e que, por isso, o Estado só deveria apoiar aquele “residual” humano que é incapaz de cuidar do seu próprio bem-estar, ou seja, os pobres. Entretanto, o que se omite do debate público é que, no caso brasileiro, a estrutura social e produtiva é diametralmente oposta à do primeiro mundo. Não há dúvidas de que os países com maior grau de complexidade econômica e renda geram sistemas mais robustos de proteção social. Se a arquitetura econômica de uma sociedade é produto da forma como as empresas governam sua própria produção de bens e serviços, como se relacionam com outras empresas e com sistemas de educação e treinamento, então as estratégias empresariais variam entre as nações e as respostas na busca da coordenação são necessariamente diversas. O Brasil é um País com forte desigualdade social, de baixa capacidade competitiva em termos tecnológicos e de grande heterogeneidade estrutural. As empresas multinacionais, majoritariamente, transferem tecnologias de suas matrizes e cumprem um papel específico nos elos das cadeias globais. Por sua vez, os grupos empresariais domésticos são marcadamente organizações familiares com baixa propensão em investir em pesquisa e desenvolvimento, salvo raríssimas exceções. Esse fenômeno produz um mercado de trabalho flexível, fragmentado e de baixa capacitação.
Nesse cenário a capacidade do Estado e suas instituições na promoção da regulação econômica, extra mercado, é fator decisivo na estratégia de crescimento. O mercado de trabalho é de baixa qualificação, dificultando investimentos que demandam mão de obra especializada. O emprego informal é persistente, apesar dos esforços de formalização. A capacitação vocacional nas empresas ocorre só em situações pontuais e naqueles setores em que trabalhadores e empresários se coordenaram para formar mão de obra. Dessa forma, em nosso país, as Universidades Públicas atuam no sentido da desmercantilização – geração de externalidades positivas pelo investimento público – do avanço tecnológico e da formação de competências para a estrutura econômica. Ou seja, o avanço da tecnologia e a formação de mão de obra ficam menos dependentes da estrutura econômica e mais dependentes do poder público.
A pandemia do Covid-19 está revelando que: 1) nos países desenvolvidos, onde o Estado atua mais fortemente na coordenação econômica, há sistemas de proteção social mais robustos e preparados para mitigar problemas sociais dessa natureza; 2) nos países, ainda que em desenvolvimento (ex: Coréia do Sul), onde o investimento em ciência e tecnologia é elevado, a resposta é mais efetiva, reduzindo os danos e preservando a vida. No Brasil não vivemos nenhuma dessas alternativas apontadas acima. E ainda assim, o que vemos é que, apesar do decréscimo sucessivo nos investimentos públicos em ciência e tecnologia e das pesadas críticas sobre a relevância das Universidades Públicas, torna-se cada vez mais evidente a importância destas instituições no combate à Pandemia. Algumas lideranças políticas e grande parte da sociedade voltam suas esperanças para Deus e para a ciência. Em relação à ação divina o estado nada pode fazer. Em relação à ciência, as políticas públicas para o setor são devedoras de um grande fazer. É contraditório que a nação exija da ciência respostas rápidas quando os investimentos feitos no setor estão em decréscimo a cada ano. Mais de 90% de toda a ciência brasileira é produzida nas universidades públicas, daí porque o entre parênteses no título deste pequeno ensaio. Pede-se socorro à ciência brasileira justamente no momento em que a ciência vem pedindo socorro. Mas ainda assim as Universidades públicas não faltarão em relação ao seu compromisso social.
Apenas para citar um exemplo, cabe destacar que no Paraná, o segundo estado da federação que mais investe em ciência, de acordo com o ranking da Federação das Indústrias do Estado do Ceará, FIEC, as universidades públicas estão na vanguarda da produção de informações, cientificamente referenciadas, para a sociedade e para os tomadores de decisão. Além disso, em seus laboratórios produzem desde álcool em gel e glicerinado para distribuição em massa, máscaras de proteção individual, testes de medicamentos e até testes de maior complexidade para detecção do vírus. É graças à capilaridade do Sistema Estadual de Educação Superior, com sua rede bem distribuída no Estado, graças à existência de uma bem estruturada fundação de amparo à pesquisa, a Fundação Araucária, e graças à determinação e ao apoio do Governador do Estado, Carlos Massa Ratinho Júnior, que foi possível à Superintendência de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, SETI, conceber e colocar em funcionamento o maior programa extensionista de combate ao novo Corona vírus. O referido programa, por meio das Universidades, colocou em ação junto à sociedade mais de mil pessoas para atuar em várias frentes: no controle do fluxo de pessoas nas divisas do Estado, em centrais de informação para orientar e direcionar os cidadãos paranaenses, nos laboratórios e nas unidades de saúde de todas as Regionais de Saúde e em unidades do sistema prisional. Essa poderosa ação extensionista será determinante na consecução da estratégia de combate ao vírus montada pelo Governo do Paraná e sua realização tornou-se possível pela existência das universidades públicas, estaduais e federais, que são um patrimônio da nação e não podem ser desprezadas no reposicionamento econômico e social do Brasil após vencida a pandemia.
Texto: Aldo Nelson Bona – Superintendente Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (SETI).
Foto: Aline Jasper