Há anos, a engenharia era vista como um campo profissional masculino. Essa perspectiva vem mudando, principalmente por causa de mulheres que conquistaram espaço na profissão. Uma delas é a coordenadora do curso de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), a professora Lilian Tais de Gouveia.
A moça cheia de sonhos e vontade de aprender foi incentivada desde criança a estudar e ser independente. O pai sempre lutou com dificuldades para manter os filhos na escola e garantir um bom futuro para eles. “O meu pai falava: o seu trabalho é estudar e o meu é dar a você o melhor ensino. Isso será a sua herança, uma herança que não se acaba, já que o conhecimento fica com você para sempre”, conta Lilian. Tanto o pai quando a mãe de Lilian tentaram fazer um curso superior e chegaram a ingressar na faculdade, ele no curso de Geografia e ela no curso de Matemática, mas ambos tiveram que largar os estudos por não conseguirem pagar a graduação. “Hoje, penso que escolhi o curso de Engenharia Civil que é uma mistura de Geografia, uma ciência da terra, e Matemática, uma ciência exata, assim como eu sou uma mistura de meus pais”, declara.
Em março deste ano, a docente completou nove anos de casa e conta a trajetória que percorreu até chegar à coordenação. A caminhada na engenharia civil, a mais antiga das engenharias e, portanto, uma das mais tradicionais, foi cheia de desafios desde a graduação. Na época, como uma das poucas mulheres na turma, Lilian e aquelas que a precederam ajudaram a abrir caminho para outras engenheiras.
Curso Superior
Segundo Lilian, esse professor exigiu bastante dela durante a graduação. Além de fazer perguntas difíceis, sempre cobrava acertos em respostas e atenção aos conteúdos. “Eu ficava tensa nas aulas dele. Um dia ele disse que me cobrava mais por eu ser mulher e que eu teria que me diferenciar dos rapazes, ou não haveria espaço para mim no mercado de trabalho”, relembra. Lilian diz que acolheu com amor o ensinamento. “Pela primeira vez alguém da área me passou a verdade e eu tinha que estar preparada. Penso nele sempre com muito carinho”.
Já no primeiro ano do curso de Engenharia, começou a fazer estágio gratuito em um canteiro de obras. Tinha curiosidade para entender como era a profissão na prática, além de aprender os jargões que eram usados pelos engenheiros. “Achei o máximo, era a obra de uma escola de natação, a construção de uma piscina térmica, e tudo era novidade para mim”. Com o seu bloquinho cor de rosa, anotava tudo o que acontecia ao seu redor e nenhum detalhe passava despercebido: escrevia o nome de cada serviço, acompanhava a colocação dos vergalhões e como eram feitas as cacharias. Tudo encantava a acadêmica naquele mundo novo. “Foi ótima a experiência e quando os professores falavam sobre os assuntos em sala de aula, eu lembrava do que tinha visto na obra. Tudo ficava ainda mais claro depois da explicação dos professores”.
No segundo ano do curso, pediu estágio a um docente do departamento que contou nunca ter contratado uma mulher. Na época, o professor fez um discurso de como seria difícil para ela, no entanto resolveu fazer um teste. Eu fiquei muito feliz com aquela oportunidade. Permaneci nessa empresa por quatro anos como estagiária e aprendi bastante”.
Desafios no mercado de trabalho
A vida profissional, além da vida acadêmica, não foi fácil. Precisou encarar o estranhamento dos seus colegas, que não estavam acostumados a trabalhar com outras mulheres e venceu diversos obstáculos que foram aparecendo ao longo do caminho. “No meu primeiro emprego falaram que eu estava querendo um salário muito alto para uma recém formada mulher, o que pedi era o piso da profissão, mas eles achavam muito”, recorda. Lilian ficou feliz ao perceber que estava fazendo um bom serviço e mudando a percepção dos seus colegas referente às mulheres. Tanto que antes de sair do emprego, o engenheiro responsável pediu para que ela indicasse outra mulher para o serviço. “Achei interessante a mudança”, declara Lilian.
A profissional que estava feliz com o trabalho, sentia saudades do ambiente acadêmico e do estudo constante. Ela pretendia alçar voos mais altos e se especializar na área, por isso resolveu sair do emprego e iniciar o mestrado. Nesse momento, foi para a Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) para estudar Infraestrutura de Transportes. “Eu iria pesquisar Construção de Estradas de Rodagem, não poderia estar mais feliz. Depois, descobri que era uma das áreas mais masculinas da engenharia, a engenharia pesada, e quase não havia mulheres”, lamenta. A sede pelo conhecimento e a vontade de aprender sempre a motivaram, ela continuou os estudos mesmo em um ambiente com pouca diversidade e marcado pelo machismo. Fez mestrado, doutorado e pós-doutorado, períodos em que chegou a estudar até 16 horas por dia.
Trajetória na UEPG
Em 2012 foi chamada pelo concurso da UEPG para ingressar no departamento de Engenharia Civil e novamente precisou enfrentar o preconceito e mostrar que era competente e capaz. Ouviu diversas frases machistas, mas não desistiu do seu sonho de seguir carreira docente na área que escolheu. “Eu já ouvi de um colega: ‘tem que parar de entrar mulher neste departamento, daqui a pouco teremos que pintar o bloco de rosa’. Ouvi de outro: ‘sabe por que está entrando tanta mulher no departamento? Porque o mercado está aquecido e o que resta para as mulheres é a universidade’”, lamenta. “Nem respondi, eu sabia da minha trajetória e que havia me dedicado muito para ser a melhor. Eu estava feliz e isso já era o suficiente”, destaca.
Lilian provou com maestria que tinha conhecimento para exercer a profissão e conquistou o reconhecimento de seus colegas pelo trabalho qualificado que realiza. A professora Maria Magdalena Ribas Doll, que também trabalha no departamento de Engenharia Civil da UEPG e conhece a Lilian há cerca de 8 anos, conta que sempre a admirou por ser uma pessoa competente, ética e ponderada. “Eu a admiro até pelo tom de voz com que ela se dirige aos professores e alunos, sempre com muito respeito e profissionalismo. Ela é gabaritada em tudo o que faz, o que a torna admirada por todos ao seu redor”, exprime. Segundo o seu colega de profissão, o docente Sérgio Luiz Schulz, “a professora Lilian é uma profissional completa. Como Coordenadora é muito organizada e prática. Como docente é muito dedicada, sendo com frequência homenageada pelos formandos. É uma grande satisfação tê-la como colega e amiga”, afirma.
De acordo com a professora do departamento de Engenharia Civil, Giovana Wiecheteck, a professora Lilian tem se destacado na coordenação do curso pela dedicação que tem prestado às questões relacionadas à graduação, aos professores e alunos. “Ela é muito organizada em todas as atividades que se compromete a fazer, e sempre pontual com seus compromissos. Uma característica especial dela é a ponderação, desde o tom de voz, a paciência, o trato com as pessoas e o seu dom de escutar os outros”. Giovana ressalta que nesse momento de pandemia, Lilian tem conduzido as ações determinadas pelas instâncias superiores da UEPG de maneira equilibrada e justa, respeitando as decisões e condições estabelecidas. “Para os professores e alunos do curso de Engenharia Civil ela é uma referência de apoio e discernimento, estamos muito satisfeitos com a competência dela perante a coordenação de curso”.
A Pró-reitora de Planejamento da UEPG, Andrea Tedesco, destaca a participação de Lilian, de forma voluntária, na elaboração do edital para licitação do recapeamento asfáltico do campus Uvaranas. “Isso demonstra seu comprometimento com a instituição”, afirma. O projeto vai ao encontro da proposta da gestão do reitor Miguel Sanches Neto, que visa concretizar o Campus Parque e aproximar a instituição da comunidade. O objetivo é que a população possa usufruir da estrutura para a prática de esportes e com atrativos culturais quando a pandemia cessar. “O projeto foi desenvolvido pela Proplan e a professora Andressa Gobbi entrou em contato comigo para trocamos informações. Eu auxiliei em algumas etapas e pude sugerir alterações também”, conta Lilian. Segundo Andrea Tedesco, foi muito relevante a participação da engenheira no processo com seus conhecimentos na área.
Para a Pró-reitora, a professora Lilian é daquelas mulheres que orgulha e inspira as demais. “Com sua formação numa das instituições de excelência no país, a USP, e numa das áreas mais conceituadas, a de Transportes, conduz as disciplinas que ministra, bem como suas pesquisas e orientações, com excelência. Não é em vão a admiração dos alunos por ela e o fato de que muitos buscam o ingresso no mercado de trabalho pela área de pavimentação”, destaca Andrea. “Além de coordenadora de curso, pesquisadora e orientadora, Lilian é um exemplo como mulher e mãe. Ela concilia todos os compromissos profissionais com uma dedicação amorosa às filhas e ao marido. Ela é referência de mulher forte que não perdeu a delicadeza e a ternura”, complementa.
Lilian abriu caminho para muitas outras mulheres atuarem na Engenharia devido à sua garra e dedicação. No entanto, apesar de todo o caminho percorrido, ainda há muito o que se conquistar na busca pela igualdade de gêneros, ainda mais no ramo da engenharia onde tantas mulheres ainda reivindicam espaço. Ela serve de exemplo para muitas meninas que um dia sonham em se tornarem engenheiras. Ao olha para traz, Lilian afirma ser uma pessoa realizada, que diz ter percorrido um trajeto repleto de aprendizagem e desafios, mas também cheio de carinho e reconhecimento do trabalho realizado.
O nome da professora Lilian foi indicado pela comunidade acadêmica. Se você conhece alguém que tem uma história bacana na UEPG e quer sugerir um perfil, mande e-mail para ccom@uepg.br.
Texto: Vanessa Hrenechen Fotos: arquivo pessoal de Lilian Gouveia