“A UEPG representa tudo na minha vida. Eu sou extremamente grata à Universidade. Ela me dá casa, comida, conforto, estabilidade e me traz felicidade. Entrei na instituição sabendo muito pouco e o conhecimento que adquiri não tem preço”. Com essas palavras, Tais Maria Ferreira, técnica do laboratório de fotografia do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) fala da sua relação com a instituição.
Voltando aos primeiros dias de UEPG, ela recorda que ficou sabendo por acaso sobre o concurso que a Universidade realizaria quando duas passageiras conversavam sobre o assunto no ônibus que pegava para ir ao trabalho. “Não sei o motivo, mas comecei a prestar atenção sobre o processo seletivo. Fiquei interessada e pensei em verificar no jornal”. Conforme lembra, na época não era fácil conseguir informações nos meios de comunicação, porém, apesar das dificuldades, Tais não desistiu. “No caminho para o trabalho, eu criei uma operação de guerra para pegar o jornal, já que as funcionárias eram proibidas de ler o impresso, que era somente do patrão”. Naquele dia, o jornal estava em cima da mesa no caminho para a sua sala, com a ponta virada para fora. “Eu peguei o jornal rapidamente, fui para o banheiro e vi que tinha vaga para o laboratório de fotografia da UEPG. Gravei todas as informações e devolvi o jornal no mesmo local que estava antes, ninguém percebeu”.
No dia da inscrição, e com toda a expectativa que tinha, Tais estava ansiosa. Foi a primeira a chegar no campus para fazer o cadastro. “Eu fui a número um. Cheguei no início das inscrições e fiquei bastante animada quando descobri que a prova seria realizada no sábado à tarde, já que eu não trabalhava naquele horário. Tudo estava dando certo”, comemora. Quando entrou na sala, visualizou outros dezoito concorrentes. “O único candidato que me dava medo era o rapaz que tinha trabalhado comigo no Foto Carlos”, conta. A prova, além de cobrar conhecimento teórico através de avaliação oral, também contou com a fase prática, na qual os candidatos tiveram que rebobinar um filme e preparar os químicos de revelação. Tais, apesar do medo, estava segura. “Somente eu e o outro concorrente sabíamos o que fazer. Eu consegui elevar a minha pontuação porque perguntei para a banca qual era a sensibilidade do filme fotográfico e também porque sabia como utilizar os químicos, visto que esse já era o meu trabalho”.
Uma nova família
Aprovada em primeiro lugar, Tais entrou em 2002 na UEPG como técnica do laboratório de fotografia do curso de jornalismo. Segundo ela, entrar na Universidade foi um novo desafio, e possibilitou um leque de oportunidades em sua vida, onde conseguiu estudar e ampliar seu conhecimento na área. “Eu tinha contato com a fotografia que as pessoas faziam no turismo e para registrar o cotidiano. Na UEPG, eu entrei com todo o conhecimento e bagagem técnica, mas precisei reaprender a fotografia para entender como funcionava o fotojornalismo. Então, eu decidi estudar novamente e comecei a ler os livros e os materiais que os alunos usavam em sala de aula. Eu tinha que aprender para poder ensinar”, diz.
Desde a aprovação no concurso, a servidora acompanhou todas as transformações que ocorreram da era analógica para a digital. “A fotografia digital se tornou mais conhecida a partir de 2005, mas a universidade ainda não tinha as câmeras, porque o valor era muito alto, algo surreal. Faz uns cinco anos que a UEPG adotou o formato digital e com a nova tecnologia, eu fui estudar novamente para entender melhor sobre cores, prisma, pixel, e os novos formatos das imagens em documentos”, explica.
Para não perder a essência da fotografia analógica, Tais conta que são realizadas aulas específicas voltadas ao formato. “Para os estudantes, é um ganho enorme entrar no laboratório, observar a imagem surgindo a partir do químico e ver nascer a fotografia no papel. Isso é mágico, é nostálgico e é lindo. Eu me encanto e nunca vou me cansar disso. Somente quem vivencia essa experiência, sabe”. O processo analógico é ensinado a partir da dinâmica de criar fotos em latas escuras e também por meio do filme fotográfico. “Queremos que os estudantes entendam o princípio da fotografia e que levem o conhecimento para a vida”, ressalta. Quando indagada sobre algum momento inusitado ou engraçado durante as aulas, ela conta que sempre tem alguém desatento que acende a luz enquanto revela o filme. “A primeira coisa que o estudante faz, ao invés de apagar a luz, é olhar para mim com aquele olho arregalado de medo”, a servidora ri.
Graduação
Em 2010, Tais e o colega de profissão Reinaldo dos Santos, técnico do laboratório de rádio da UEPG, tiveram a oportunidade de ingressar no curso de jornalismo. Segundo Reinaldo, sem a força da amiga não seria possível concluir os estudos. Todo o apoio foi fundamental para seguir seu sonho. “Eu tenho uma imensa gratidão à Tais que me incentivou a entrar na graduação e seguir até o final. Ela não é apenas uma ótima pessoa no serviço, mas é uma amiga que está sempre presente nos momentos difíceis. Trabalhamos há mais de uma década juntos e ela é uma excelente pessoa e profissional. Além do olhar dinâmico e surpreendente que tem para a fotografia, ela é companheira no dia a dia e sempre tenta ajudar os seus colegas”, destaca.
O professor da UEPG Carlos Alberto Souza lembra que, quando ingressou na universidade, uma das primeiras pessoas que conheceu no curso de Jornalismo foi a Tais. “Ela me ajudou muito na instituição. Eu tinha interesse em trabalhar com fotografia e a Tais comprou essa minha luta. Nós criávamos projetos de extensão e pesquisas nessa área. Eu vejo a Tais como uma pessoa de grande competência e responsabilidade com os materiais públicos. Ela cuida com todo carinho dos equipamentos fotográficos do laboratório e está sempre disponível para atender os alunos e professores. Uma pessoa especial, que a gente sabe que pode contar”.
Além das amizades com os servidores, Tais cuida dos alunos como se fossem da própria família. “Tem uma egressa que me chama de mãe de tão próximas que somos. Ela vai ter um bebê e me contou esses dias que serei avó. Somos muito amigas. Além dela, eu tenho contato e amizade com muitos alunos e isso é gratificante. Ver o estudante chegar na Universidade e poder acompanhar toda a evolução dele, o crescimento pessoal e profissional, é maravilhoso. Eu me sinto feliz em poder ajudar, contribuir e fazer parte da vida e da história deles”, afirma. O ensino na vida de Tais possibilitou um mundo de experiências e oportunidades, com um olhar diferenciado ela pôde adquirir novos conhecimentos e incentivar outras pessoas. Ela reforça o amor que tem pela UEPG e agradece por tudo o que já que viveu na instituição. “Você só se transforma em uma pessoa melhor por meio da educação. Gratidão, amor e carinho é tudo o que eu tenho pela UEPG”, destaca.
Na hora certa, no lugar certo
Nascida em Ponta Grossa, Tais foi criada pela avó até os 10 anos de idade, em um sítio simples da família, que não tinha luz e nem água. Apesar da vida difícil, nunca esmoreceu frente aos desafios. “Nós buscávamos água com as latas na cabeça, usávamos o lampião ou uma vela quando escurecia e cozinhávamos em um fogão de trempe, feito com uma chapa em cima do tijolo na terra”, conta. O local ficava na direção de Imbituva, em uma região chamada Restinga. “Eu não sei se o lugar ainda existe porque nunca mais fui para lá, mas lembro que morávamos no meio do mato e quando era necessário resolver alguma questão na cidade, tínhamos que sair muito cedo. Para chegar às margens da rodovia e pegar um ônibus, andávamos 22 quilômetros”.
Ela conta que apesar da infância extremamente pobre, foi uma criança feliz. “Eu não diria que tive uma vida de miséria porque nunca passei fome, mas sempre passei por limitações. A minha avó trabalhava em uma fazenda e eu fazia as refeições por lá, onde tinha leite, plantações e gado. Hoje há uma grande quantidade de alimentos, mas antigamente tudo era limitado. Porém, apesar da falta de dinheiro, éramos felizes”, lembra com sorriso no rosto e um ar nostálgico. Desde cedo, tinha o sonho de estudar e aos oito anos de idade Tais aprendeu a ler e escrever com as aulas que teve na fazenda em que sua avó trabalhava – o primeiro contato com o ensino que abriria um mundo de possibilidades para ela. “As pessoas diziam que eu nasci velha, porque eu pensava no futuro, queria estudar e ser alguém. Eu não desejava viver a minha vida toda naquela limitação. Aprendi a escrever com umas gaúchas que foram morar naquela região e deram os primeiros acordes da educação para as crianças da fazenda”, reflete saudosa.
Tais começou a trabalhar ainda na infância, enquanto estava no sítio. Aos 10 anos foi morar com a mãe em Ponta Grossa para estudar. “Eu fui babá aos 7 anos, cuidando das crianças que ficavam na fazenda. Na casa de família fui aprendendo outros afazeres e com 12 anos eu já trabalhava de doméstica na cidade. Tenho o maior orgulho em dizer que sei fazer um serviço de casa”, afirma. Em Ponta Grossa, devido à vida simples que levava no sítio, precisou se adaptar à nova cultura e enfrentar o preconceito das pessoas, o que a magoava profundamente. “Eu falava tudo errado e me vestia mal. Eu tinha os costumes das pessoas do sítio e senti uma diferença cultural terrível. Sofri muito com tudo isso. As pessoas riam da minha forma de vestir, de sentar e de me comportar. Eu tive que recomeçar do zero, olhando e aprendendo a partir das críticas e das chacotas”, lamenta com o semblante triste.
Apesar de todas as dificuldades, ela não desistiu de lutar e diz que na sua vida tudo aconteceu no momento certo. “Após ser doméstica, decidi que queria trabalhar em outra área. Consegui um emprego em uma loja de tecido por metro e após um tempo fui convidada para ser funcionária de um armarinho. Devido à habilidade que eu tinha em fazer contas, recebi o convite de uma cliente para vender malhas”, conta.
Uma queda na economia mudaria drasticamente o futuro dela. “Não havia movimento nessa loja de malhas e os donos, incomodados com aquilo, passaram serviços domésticos para fazermos na residência que ficava nos fundos do local. Cada funcionária ficou responsável por uma tarefa e quando chegou a minha vez, não tinha mais nada para fazer, então recebi uma faca para tirar o mato da calçada”. Enquanto realizava o serviço, o empresário Carlos Jendereieck, que passava pela mesma calçada, reconheceu a antiga babá dos seus netos e a convidou para trabalhar na sua empresa “Ele colocou a mão na minha cabeça e falou: ‘esse serviço não é para você, Tais’. Naquele momento, fui chamada para trabalhar no Foto Carlos”, relembra.
Aos 13 anos, Tais começou a trabalhar na empresa Foto Carlos, onde permaneceu por 18 anos. Durante o período em que esteve na empresa, aprendeu todas as etapas de revelação da fotografia analógica e se apaixonou pela profissão. Apesar disso, precisou sair do emprego com o nascimento prematuro dos filhos gêmeos. “Eles precisavam de mim, então fiquei dois anos em casa cuidando deles. Em 1995, o meu marido ficou desempregado e eu pensei em voltar para o mercado de trabalho. O plano era ver se tinha alguma vaga na cidade na segunda-feira, mas no sábado o Demario bateu no meu portão e me convidou para trabalhar na empresa de fotografia dele, onde eu fiquei por quase 10 anos”.
Mesmo em tempos difíceis, o álbum da vida de Tais guarda lembranças de felicidade. “Tudo acontece na hora exata, mas eu demorei muitos anos para entender isso. Se eu não estivesse lá fora, o seu Carlos não teria me visto. Na época, fiquei com vergonha de tirar o mato da calçada, mas hoje eu entendo que todo trabalho é digno”, finaliza com a fé inabalável que sempre guiou a sua vida.
Texto e fotos: Vanessa Hrenechen