Direito ao acesso de qualidade à saúde no pós-parto foi o tema que Ana Maria Bourguignon de Lima, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa (PPGCSA-UEPG), trabalhou durante quatro anos. O estudo rendeu frutos. Em abril, Ana recebeu a indicação ao Prêmio Capes de Tese 2023, promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. O resultado final está previsto para ser divulgado em novembro de 2023.
O interesse pelo tema não surgiu no doutorado. Desde a Especialização em Gestão Pública, que fez pela UEPG, a advogada pesquisa direitos e humanização do parto no Brasil. Ao se debruçar sobre dados do pós-parto, Ana enxergou uma lacuna para trabalho. “No Brasil, temos dados bem sistematizados de consultas pré-natal e de partos no sistema institucional, mas não temos dados oficiais sobre o número de mulheres que conseguem acessar o serviço após o parto, que é justamente o elo frágil, então ali tem uma quebra”, conta. Ali estava o problema da pesquisa de Ana – com o trabalho sob o título ‘Justiça Reprodutiva na Atenção Puerperal: Avaliação Crítica das Condições de Atenção à Saúde da Mulher no Período Pós-parto no Brasil, de 2000 a 2019’, a doutoranda avalia quantitativa e qualitativamente a política de atenção a mães puérperas pelo Sistema Único de Saúde.
O trabalho busca responder o porquê da mulher não continuar o acompanhamento em saúde durante o puerpério. “A consulta pós-parto finaliza os cuidados com a gestante e inicia os da saúde da mulher. E como não tem dados no Brasil sobre isso [os atendimentos], eu mesma tive que produzir esses dados de certa forma”, conta.
Dados
Para buscar dados, Ana focou no Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN), criado em 2000 pelo Governo Federal, considerado um marco na padronização de dados sobre gestação e pós-parto. “O número de consultas na gestação e no pós-parto não existia e cada Estado fazia ao seu modo. Com o Programa, a mulher passa a ser protagonista desse processo de atenção à saúde”, explica. Além de entrevistar mães da região, Ana se trabalhou com cedidos pela Pesquisa Nascer do Brasil, da Fiocruz, e do Programa de Melhoria Acesso da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). “O Ministério da Saúde disponibiliza essas planilhas no site, só que dados de pós-parto nunca tinham sido analisados, pois a gente não conhece muito como acontece os serviços de pós-parto no Brasil, então é por aí que saiu minha tese”, relata Ana.
Olhar dados e descobrir lacunas de pesquisa não se comparam ao grande motivador para que Ana começasse a estudar direitos maternos no Brasil. Tudo mudou de verdade quando ela se tornou mãe. “Com 23 anos, eu tive a minha primeira filha e quis muito um parto natural, num contexto em que a cesariana é hegemônica, então eu precisei estudar e me empoderar muito, para que médicos e familiares compreendessem esse desejo”, explica. Ao estudar por conta e tentar entender quais eram os benefícios de um parto natural, Ana se envolveu com o tema e nunca mais saiu. “Eu tenho duas filhas, nascidas de parto natural, em casa, e elas foram a força motriz desse meu interesse por estudar”.
Na análise dos dados, a pesquisadora descobriu que em média 55,1% das usuárias do SUS confirmaram a realização da consulta pós-parto. “Significa que, na média, 45% puérperas entrevistadas não acessou a consulta. Esse dado é um indicador da baixa cobertura da atenção puerperal no SUS”, aponta. Ao analisar os dados do PMAQ-AB, 92.8% de mães receberam orientação sobre a importância da amamentação. “Em contraste, menos da metade confirmou que as mamas foram examinadas (47.3%, em média). Essa contradição expõe falhas nos serviços de atenção básica em relação aos protocolos de atenção pós-parto”.
Para a pesquisadora, um dos principais desafios enfrentados durante o período pós-parto é a amamentação. “Identificamos que 54,4% das brasileiras disse ter dor na mamas e/ou no bico do seio”. Os dados analisados se refletiram na realidade. “Nas entrevistas que fiz, com mulheres que passaram pela experiência do puerpério, as entrevistadas relataram dor nas mamas e no bico do seio e dificuldade em encontrar profissionais capacitados para apoiar o aleitamento materno. Então, em resumo, a gente percebe que há uma invisibilidade da mulher no período pós-parto”, ressalta. A invisibilidade citada por Ana alcança família, serviços de saúde, literatura e política. “Em suma, ainda não existe uma preocupação institucional sobre a fragilidade da mulher no pós-parto, o que eu acredito ser principal resultado do que eu identifico na tese. A mulher precisa ser acolhida para tenha melhor qualidade de vida”, finaliza.
Homenagens
Professora pela UEPG desde 1988, Danuta estuda Estado, Políticas Públicas e Práticas Sociais, com ênfase no tema sociedade civil, participação, gestão participativa e formação profissional de caráter crítico emancipatório. “A relação e o compromisso pedagógico com os alunos sempre foi a principal marca que me mobilizou ao trabalho na UEPG. Então, é uma via de mão dupla: o processo de crescimento e qualificação envolve tanto alunos quanto professores, a gente aprende sempre!”, destaca. A homenagem veio coroar os anos de trabalho, conta a professora. “Tenho um sentimento de gratidão imenso pela oportunidade que tive nestes anos de trabalho na UEPG. As relações estabelecidas em todo processo são de compromisso ético-político com as atribuições da carreira docente, pois tudo é pedagógico na caminhada da gente”.
Jussara Ayres Bourguignon é docente da UEPG há 34 anos, com formação acadêmica sempre centrada no Serviço Social. “Neste processo, priorizei pesquisas sobre a profissão em suas dimensões interventivas e investigativas, considerando o compromisso ético-político com a realidade social”, explica. Ser professora no Programa de Ciências Sociais Aplicadas marcou a produção acadêmica e a perspectiva interdisciplinar de Jussara. “Minhas lembranças marcantes referem-se ao exercício da docência em sala de aula e nos processos de orientação de TCC, de dissertações de mestrado e teses de doutorado”, informa.
Para ela, observar o amadurecimento profissional dos alunos e suas conquistas profissionais sempre trouxeram muita alegria. “Foi muito significativo e emocionante receber esta homenagem, sou grata e valorizo muito a minha experiência profissional e docente junto ao PPG, que me oportunizou o conhecimento e exercício da interdisciplinaridade”. A gratidão é a palavra. “Como professora, pude exercer a docência, vivenciar a extensão e especialmente a pesquisa. Tive a oportunidade, ao longo da minha vida acadêmica, de construir laços de amizade e companheirismo. Assim, a UEPG representa não só um espaço de trabalho, mas de afeto”, finaliza.
Texto: Jéssica Natal | Fotos: Jéssica Natal e Arquivo Pessoal