O recomeço da história: MCG reabre prédio histórico depois de duas décadas

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Na noite desta quinta-feira (20), quem passou pela Rua Engenheiro Schamber via as luzes acesas e as portas abertas. Pelas frestas das janelas, já se viam os sorrisos e os olhares atentos. Todo o cenário foi montado por um motivo: o prédio histórico do Museu Campos Gerais da Universidade Estadual de Ponta Grossa (MCG-UEPG) voltou. Depois de mais de duas décadas sem atividades, o local se reencontrou com a comunidade e apresentou três exposições simultâneas.

Ao subir os primeiros degraus da escada de mármore e ir para o lado esquerdo, podem ser vistas as salas da “Aula de Anatomia”, exposição em parceria com o Museu de Ciências Forenses. Do outro lado, está “Meu Coração de Polaco Voltou”, que resgata as raízes de Paulo Leminski. Basta subir um pouco mais as escadas de madeira, seguir para o lado direito e conferir as peças de “Albary, o Prefeito”.

No peito, o sentimento é de missão cumprida. “Este é um momento importante para a UEPG, porque devolvemos o prédio para a comunidade. Mais do que uma abertura, este momento simboliza o retorno de um espaço que faz parte da história moderna”, destaca o reitor da UEPG, professor Miguel Sanches Neto. Em fevereiro, a instituição realizou a entrega do restauro – a noite de ontem marcou o reencontro com o público. “Aqui é um espaço de cultura, mas também de ensino e pesquisa, em um prédio icônico, que precisava ser devolvido para a comunidade, e é por isso que a universidade pública tem um papel importante para a desenvolvimento da cultura e ciência das comunidades”.

Que momento. Não deu pra esconder a alegria e gratidão por finalmente ver tudo pronto no olhar do diretor do MCG, Niltonci Batista Chaves. “A nossa equipe está extremamente feliz de poder retomar os trabalhos no prédio”. Há uma importância histórica e cultural sobre tudo o que constitui o espaço. “Por toda essa afetividade que existe da nossa população com o prédio do antigo fórum, a equipe está absolutamente integrada ao processo, muito feliz e com uma expectativa grande de poder voltar a receber as pessoas aqui”, completa. O público pode conhecer as mostras e conferir toda a beleza de um Museu totalmente restaurado e, em breve, a expectativa é que todas as salas sejam ocupadas com exposições.

Toda a atmosfera de cultura impactou também o coordenador de Ensino Superior da Superintendência Geral de Ciências, Tecnologia e Ensino superior (Seti) para Cultura e Museus, Renê Wagner Ramos. Emocionado em seu discurso, ele ressaltou a importância de existência de museus para as pessoas. “Um museu, antes de tudo, significa a visão que uma sociedade tem do seu futuro. Quem não investe em museu e na compreensão do seu passado, não tem futuro”. Ciência é um direito e, segundo o Renê, a defesa dela garante a liberdade de que todos tenham acesso a ela. “É uma alegria estar na abertura do Museu, é uma sensação especial sentir aqui toda a emoção das pessoas”, salienta.

Gratidão

No meio do público, tinha um olhar que viu tudo começar. Maria Aparecida Gonçalves mal podia acreditar que estava presenciando o recomeço do espaço que ela viu nascer. A professora aposentada do Departamento de História foi a primeira diretora do Museu, nos anos 80. “Quando viemos pra cá, praticamente era eu e a escada por aqui”, relembra. Hoje, ambas permanecem em pé, para uma nova história. A primeira exposição foi feita de fotos da cidade, que a equipe solicitou para a comunidade. “Fomos pedindo fotografias e objetos das pessoas, para remontar o centenário de Ponta Grossa. Lembro de ver a confecção do primeiro mobiliário e, aos poucos, fomos montando a primeira exposição, ainda mais modesta”. 

Sentada no meio da plateia, ela recebeu um agradecimento especial de Niltonci, por ter guiado ele e a muitos profissionais de História pelo caminho da arte. Ver o resultado de um local reformado, pronto para contribuir para a trajetória cultural de uma região é um privilégio, segundo ela. “É uma emoção muito grande ver o progresso de todos que vieram depois de mim. Me sinto tão feliz de estar aqui e saber que pude contribuir, vendo toda essa mudança tão maravilhosa que foi realizada aqui”. Maria recorda das vezes que chamava escolas para visitas em grupo no Museu e em como todos se acomodavam na sala do júri para ouvir as palestras. “Foi tempo muito agradável, repleto de emoções, tínhamos algumas dificuldades em conseguir as coisas naquela época, mas vejo que hoje existe um trabalho maior pelo espaço. Graças a Deus estou viva para ver o trabalho frutificar”, finaliza.

Como foram pensadas as exposições

As salas foram selecionadas conforme o tamanho das disposições, para evidenciar o conjunto específico de objetos e informações. É o que explica o diretor de acervos e pesquisa, professor Robson Laverdi. “Nós procuramos olhar o tamanho das salas, mas também observar as possíveis reações do público nos diferentes espaços, por conta de iluminação e dos artefatos que fazem o suporte dos materiais expostos”.

Ao receber três exposições, cada uma com suas peculiaridades e características próprias, a equipe encarou o desafio de suprir todas as exigências das mostras. “Cada um aqui no museu tem uma habilidade ou desenvolve uma função, que nesses momentos de preparação de uma exposição sempre são utilizados na sua máxima atenção. A equipe toda está preparada e ansiosa para que o público possa opinar sobre o próprio prédio novo e tudo que está sendo apresentado”, complementa o professor.

Dentre as três, uma delas é inédita fora da capital. A exposição “Aula de Anatomia” trará corpos mumificados, órgãos humanos e objetos de autópsia pertencentes ao Museu de Ciências Forenses. É a primeira vez que o acervo sai de Curitiba e fica alocado em outro Museu, com o objetivo de gerar uma narrativa própria para ações educativas. O acervo conta com peças que existem desde 1910, quando então era conhecido como Museu do Crime, constituído por objetos relacionados a delitos.

E nada de foto lá dentro. Por se tratar de conteúdo sensível, as pessoas que entrarem devem estar cientes de que o Museu do Crime retratou a violência e as deficiências do corpo humano. Somente maiores de 12 anos (menores de idade acompanhados pelos responsáveis) poderão entrar nessas salas. Como conta o diretor de Ação Educativa do MCG, professor Ilton Cesar Martins, que intermediou a vinda da exposição ao MCG, o “Aula de Anatomia” contará com instrumentos e equipamentos utilizados desde o início das atividades periciais no Paraná. “Além de livros, documentos e arquivos fotográficos, de ossos e outras peças anatômicas consideradas interessantes para o estudo da medicina legal, o público verá que o conhecimento do corpo humano é essencial para a prática forense”.

Residente em Ponta Grossa há pouco mais de três anos, Ilton não esconde o orgulho e a ansiedade em participar da reabertura do Museu. “A entrega de um aparelho cultural, simbolicamente e afetivamente tão importante para a população da cidade, é muito importante. Espero que todos usufruam sempre que puderem e quiserem do MCG, um espaço público, gratuito, democrático e acessível”, completa.

A parceria entre os Museus acontece desde 2023, por meio da exposição “V ou F: venha ser um cientista forense”, que estava anteriormente no MCG. Fabíola Schützenberger Machado, diretora do Museu de Ciências Forenses, explica que o material exposto é delicado e exige bastante cuidado no manejo. “É muito importante pra gente que outras pessoas possam conhecer esse acervo. Nós temos sedes da Polícia Científica em 20 cidades do Paraná, mas o Museu nós só temos em uma, então levar o trabalho da perícia para outros lugares é bem significativo”. O desejo para que esta parceria não seja a última é o imperativo na fala de Fabíola. “Esse apoio da Universidade é muito importante para o Museu. Sem essa rede é difícil desenvolver as atividades, de pensar em novas ideias e em novas pesquisas, e junto da UEPG ficamos mais fortes”.

O coração voltou 

Neto de colonos poloneses por parte de pai, Paulo Leminski tem obras carregadas de referências à cultura polonesa. E são estas raízes que estão à mostra no “Meu Coração de Polaco Voltou”. Quem passar pelas salas verá uma série de documentos originais, livros, painéis com reprodução de textos, fac-símiles e fotos do acervo particular de Leminski, com curadoria de Aurea Leminski e Estrela Ruiz Leminski. A brasilidade do poeta e escritor não o impediu de assumir com orgulho o seu coração polaco, como afirma Aurea. “Este projeto garante a difusão da obra do artista, das tradições polonesas, além de reforçar a importância do legado do autor e sua relação orgânica com a comunidade brasileira”. A mostra nasceu em 2015, em Curitiba, e já passou por Porto Alegre, São José dos Pinhais, Foz do Iguaçu, Palmeira e por diversas cidades da Polônia, como Varsóvia e Poznan. 

A parceria com o MCG é de longa data. Desde que a exposição “Múltiplo Leminski” esteve no Museu em 2021, as equipes já estavam discutindo a possibilidade de fazer novas exposições sobre Leminski. “Com a conclusão do restauro do prédio histórico, vimos uma excelente oportunidade de incluir a exposição na programação de abertura. Estamos muito felizes em compartilhar com os visitantes de Ponta Grossa outros aspectos da vida e obra de Paulo Leminski, especialmente neste ano em que celebramos os 80 anos de seu nascimento”, ressalta Aurea, que celebra o momento especial da reabertura para a cidade, Museu e UEPG. “Estamos muito orgulhosas de que a nossa exposição faça parte deste momento histórico para a cidade, com a abertura da nova sede do Museu Campos Gerais. Estamos testemunhando um marco na profissionalização da instituição, que agora conta com um espaço expositivo de excelência”, finaliza.

Quem fez questão de comparecer à abertura da exposição foi a cônsul-geral da República da Polônia em Curitiba, Marta Olkowska. Marta esteve na Reitoria da UEPG na parte da manhã, onde, recebida pelo reitor Miguel Sanches Neto, pelo chefe de gabinete Rauli Gross e pela professora Vera Lucia Martiniak, pôde se familiarizar com a história do MCG e o processo de restauro, concluído em janeiro de 2024. Impressionada com a estrutura da UEPG, a cônsul parabeniza a Universidade pelas ações desenvolvidas. “Tudo isso é muito interessante, não passava na minha cabeça que vocês eram tão envolvidos na comunidade. É uma surpresa, quando eu cheguei aqui, eu pensei uma coisa, e é muito bom saber que vocês estão nessa vanguarda, é bom ouvir essa vontade de vocês de estar à frente”, declara.

Ex-prefeito

Albary Guimarães foi um dos gestores mais importantes que a cidade já teve. Esta é a perspectiva que a exposição “Albary, o Prefeito” procura mostrar. “Há quase 100 anos, ele promoveu um saneamento financeiro na cidade e pagou todas as dívidas, isso os dados nos provam”, afirma Niltonci, também curador da mostra. Guimarães foi prefeito de Ponta Grossa entre 1934 e 1944. A trajetória desta década estará presente com objetos, roupas, livros e documentos, do acervo do próprio Museu e da família do ex-prefeito. Participaram da organzação desta exposição Edson Armando Silva, Carmencita de Holleben Mello Ditzel e Rosângela Wosziack Zulian.

“No nosso entendimento, a grande importância do Albary foi pensar a cidade para o futuro, pois ele promoveu uma grande reforma urbana em Ponta Grossa”, explica Niltonci. Foi Albary quem planejou o desenvolvimento da cidade nas décadas seguintes, tornando o município relevante no cenário paranaense. Juntamente com a trajetória política e memórias familiares, a exposição também mostra a relação de Albary com outras duas figuras fundamentais: Manoel Ribas; que era um interventor do estado, cargo similar ao Governador; e Getúlio Vargas, Presidente da República. “Então a exposição explora essa relação dos três líderes públicos, porque eles ocuparam o poder no mesmo período nas décadas de 30 e 40”. Em breve, mais exposições virão para integrar as que estão em mostra. “No próximo mês nós devemos entrar com a comemoração do Centenário do Poty Lazzarotto, que vem do Museu Oscar Niemeyer”, informa. A equipe do MON estará nesta sexta-feira (21), para uma visita técnica ao MCG e acertar os detalhes.

Histórico

A primeira vez que o prédio histórico abriu as portas foi em 04 de janeiro de 1928, como símbolo do Poder Judiciário. Foi a data da inauguração do Fórum da Comarca de Ponta Grossa, primeiro do interior do Paraná. Por ser um espaço de grandes proporções, juntamente funcionavam a Coletoria Estadual, a Delegacia de Polícia, tabelionatos, Cartórios do Crime e de Registro Civil e o atendimento jurídico gratuito ofertado pelo curso de Direito da UEPG. Depois de 55 anos, o prédio passou a ser do Museu Campos Gerais, em 28 de março de 1983, com transferência do Fórum para uma nova sede, em Oficinas. Por conta de danos estruturais, o Museu foi interditado em 2003 e transferido para outro prédio, na mesma quadra, esquina  as ruas Engenheiro Schamber e XV de Novembro. Enquanto pró-reitor de Extensão e Assuntos Culturais, o professor Miguel Sanches Neto, em 2008, entrou com uma licitação para restauro do edifícioEm 2010, a UEPG captou R$1 mi via Lei Rouanet, valor utilizado para reforma nos pontos mais emergenciais da estrutura: forro, vigamento e telhado, bem como a pintura externa e interna do pavimento térreo. Na época, o restauro não foi possível, mas foram realizados reparos que mantiveram a estrutura até 2021. Foi em 2022 em que a obra que deu nova vida ao prédio e o restauro iniciou, graças a uma verba de R$ 10,5 milhões, vindas do Fundo Nacional de Defesa de Direitos Difusos.

Serviço

As visitações individuais dispensam a necessidade de agendamento, em caso de visitas de grupos, a atividade deve ser combinada pelo e-mail museucamposgerais@uepg.br. O horário de atendimento é de terça-feira a sábado, das 9h às 11h45 e das 13h30 às 17h.

Texto: Jéssica Natal | Fotos: Aline Jasper, Jéssica Natal e Domitila Gonzalez.


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