Livros, força e simpatia: conheça a Roseli

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“Sempre me causou estranheza ver a surpresa das pessoas quando descobriam que a tia da limpeza estava fazendo universidade, como se isso não fosse possível”. Roseli Vaz de Almeida é servidora da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) há 11 anos, dos quais a maioria foi dedicada à zeladoria. Hoje, ela é técnica em assuntos educacionais na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae). Formada em Letras Português/Espanhol pela UEPG, Roseli está no segundo semestre da Pós-Graduação em Estudos da Linguagem.

Essa trajetória não foi fácil. “Tem pessoas que teimam em desacreditar, incapacitar e desvalorizar o outro. Por estar trabalhando em um setor que sabemos que não é valorizado por muitos, já ouvi coisas desagradáveis muitas vezes, olhares, conversas que demonstravam claramente a insatisfação de alguns que acreditavam que a sala de aula não fazia parte da minha realidade, de mulher preta e pobre”, conta Roseli. Forte, não se deixou abalar pela opinião alheia e sempre acreditou que qualquer pessoa pode estar onde quiser. “Eu não estudo para agradar ou bajular ninguém, a não ser a mim mesma, ou seja, para o meu crescimento pessoal”.

“Os livros sempre fizeram parte da minha infância”. De família negra e origem humilde, Roseli é a irmã mais nova de quatro irmãos: dois homens e duas mulheres. “Hoje, só ficou eu e um irmão”. Nasceu em Guarapuava, mas se mudou para Ponta Grossa antes de completar 3 anos, quando o pai faleceu.

A família sempre incentivou o estudo, a educação e a leitura. A mãe de Roseli não tinha sequer o primário, mas mesmo assim alfabetizou os filhos antes mesmo de entrarem na escola. “Lembro que as tardes na casa da minha vó eram sempre leituras, cada um de nós pegava um livro ou revistas em quadrinhos e ia para um canto qualquer da casa para ler. Minha infância foi das melhores que se podia ter na época, com brincadeiras, jogos, leituras”, rememora.

UEPG

Após 11 anos de UEPG, ela brinca: “estou engatinhando, ainda, dentro da instituição”. Contratada como auxiliar operacional em 2009, trabalhou na limpeza até fevereiro de 2021. “Muitos passam e não nos veem, pois para muitos nós somos invisíveis, porém indispensáveis”, diz, sobre o trabalho na limpeza. São anos guardados com carinho nas memórias do coração. “Pude conhecer pessoas que farão parte da minha vida para sempre. Foi de onde tirei meu sustento durante todos esses anos, por isso, tive e tenho muito orgulho de ter trabalhado na limpeza”, declara.

Ela se orgulha de fazer parte da UEPG, e de ter a oportunidade de trabalhar e estudar na instituição. “Para mim, a relevância da Universidade é o comprometimento de todos que fazem parte da instituição, professores, funcionários técnicos e operacionais, e de como estão envolvidos para levar um ensino de qualidade para os nossos estudantes, em especial no momento de estranhamento e incertezas em que estamos vivenciando atualmente”, declara, orgulhosa. Ela aponta como avanços na UEPG as oportunidades disponibilizadas nos últimos anos, com a criação da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e da Diretoria de Ações Afirmativas. “A educação é para todos, independentemente se você é branco, preto, indígena ou se você é de uma classe mais ou menos favorecida”.

Um sonho: ensino superior

Em 2013, foi a hora de retomar os estudos, parados desde o Ensino Médio. Foram 20 anos longe da escola, mas Roseli resolveu fazer a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), para obter a certificação do nível de escolaridade. No mesmo ano, resolveu tentar o vestibular da UEPG, para o curso de Letras Português-Espanhol. Passou em 3º lugar pela cota universal.

Não foi fácil levar, juntos, os estudos e o trabalho. “Entrava às 6:30 na UEPG e saia às 20:00 todos os dias”. Das 6h30 às 12h30, trabalhava. Das 13h30 às 17h, assistia às aulas, e depois, voltava a trabalhar para cumprir a carga horária de trabalho. “Chegava em casa cansada, ainda tinha que estudar, fazer trabalhos, passei muitas noites em claro fazendo atividades. Foi cansativo esse tempo, porém dava uma sensação de satisfação, porque estava fazendo algo a que me propus a fazer”.

Por um ano, Roseli conciliou o curso presencial com o trabalho. Depois, pediu transferência para a modalidade a distância (EAD). “Achava que ficaria mais fácil, por ter uma maior flexibilização quanto aos horários de estudo. Mas como nem tudo é o que parece, tive que aprender a estudar sozinha, ter autonomia para administrar meu tempo, portanto tive que me disciplinar”, lembra.

“Terminei a graduação e resolvi que iria fazer mestrado. Outra loucura, mas que eu sabia que seria capaz de fazer”, brinca. “Estou em processo de elaboração da pesquisa, fazendo muitas leituras sobre o meu objeto de pesquisa, que é a lei 10.639/2003, que traz a obrigatoriedade do Ensino da história Afro-brasileira e Africana na educação básica”.

Mensagem

Questionada sobre uma mensagem que gostaria de deixar para pesquisadores e estudantes que convivem com dificuldades no seu cotidiano, Roseli é otimista, como sempre. “Por mais difícil que seja, ou por mais pedras que tenhamos que remover do caminho durante o percurso, não podemos desistir daquilo que acreditamos. Temos que continuar nossa caminhada sempre em frente, pois todo processo é cheio de desafios e conquistas, e isso depende muito do nosso comprometimento, pois sabemos que muitas vezes não podemos contar com o outro”.

Texto: Aline Jasper | Apuração: Júlio César Prado | Fotos: Matheus Rolim e Acervo Pessoal


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