A Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), por meio da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae), fez parte da coordenação da 21ª edição do Vestibular dos Povos Indígenas, no polo de Manoel Ribas, nos dias 12 e 13 de junho. As provas foram aplicadas em sete locais, divididos em seis cidades do Paraná. No total, 780 candidatos estavam inscritos para as provas e, desses, 130 no polo coordenado pela UEPG.
O Vestibular dos Povos Indígenas é realizado de forma descentralizada, com o envolvimento de todas as Universidades Estaduais do Paraná e Universidade Federal do Paraná (UFPR). Nessa edição, a Universidade Estadual do Paraná (Unespar) é a coordenadora geral do Vestibular. No polo de Manoel Ribas, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) ficou responsável pela gestão dos recursos da contratação serviços de alojamento, alimentação e transporte da equipe da UEPG e da Universidade Estadual de Maringá (UEM), além das candidatas e candidatos que fariam a prova no Polo de Manoel Ribas. A UEM esteve presente como auxiliar de coordenação.
O local escolhido para a aplicação do Vestibular foi o Centro Estadual de Educação Profissional Manoel Ribas (Ceep). Segundo o diretor da escola, Valdinei Fogaça Andreasse, é de grande importância para o centro educacional receber anualmente o Vestibular Indígena. “Nossa equipe sempre preza para dar o melhor atendimento e conversar com as lideranças indígenas. É importante para que nossos alunos possam prosseguir com seus estudos e trazer desenvolvimento para a aldeia e a região”, reitera.
Participação Indígena
Dos 130 inscritos neste ano, 82 participaram do processo. “Ou seja, 63% de candidatas e candidatos que se inscreveram estiveram presentes no polo realizando as provas, mantendo a tendência dos vestibulares passados”, explica a professora Cristiane Gonçalves de Souza, diretora de Ações Afirmativas e Diversidade e também membro da Comissão Universidade para os Índios (Cuia) Estadual.
O candidato Kaingang da Terra Indígena de Ivaí, Jefferson Silas, diz que o Vestibular é importante para a comunidade e defende que os indígenas façam a prova. “A gente estuda muito para isso. Existem muitas dificuldades para os indígenas nas Universidades, mas a gente precisa lutar”. Jefferson participou pela primeira vez do Vestibular e pretende estudar Educação Física na UEM.
A professora do ensino infantil indígena e Kaingang da Terra Indígena de Marrecas, Rosenilda Marcelo Frederico, prestou o Vestibular pela terceira vez. Para ela, considerar a língua materna indígena no Vestibular é fundamental: “Nas nossas escolas, nossos alunos precisam estudar o mesmo tema que nós estamos estudando hoje, porque se continuar a prova só em português, sobre os europeus, como é que eles vão aprender falar em língua materna e fazer Vestibular também?” questiona.
Rosenilda avalia a importância da participação indígena no Vestibular. “É muito importante, na comunidade, nossas crianças acreditarem e tentarem fazer Vestibular lá fora, não só ficar na comunidade. A gente tem que incentivar para eles saírem da comunidade também. Eu sempre falo isso para os indígenas lá em Marrecas porque lá ninguém é formado em Universidade ainda. Ir para a cidade de lá é muito longe, dá uns 20km, então a gente tem que falar pra eles da importância da Universidade e sair pra fora. Às vezes, tem preconceito, mas a gente tem que lutar”.
Os indígenas atuam no Vestibular não apenas como candidatos. Todo o processo de planejamento e organização conta com a participação de estudantes indígenas de graduação e pós-graduação. A Cuia UEPG e Cuia UEM buscam esse apoio por entender que ações como essa devem ser realizadas em constante diálogo com os estudantes indígenas. Segundo a professora Cristiane, o objetivo é que eles “possam protagonizar as ações tendo direito à voz. Assim, é um Vestibular que procuramos fazer para eles, mas, sobretudo com eles, com os estudantes indígenas participando das ações”, destaca
A importância do Vestibular Indígena como política pública
O Paraná é o único estado brasileiro que possui o Vestibular Indígena como política estadual, “portanto, trata-se de uma ação inovadora que tem como foco, reparar a violação de direitos da população indígena, no que tange ao direito à educação superior”, avalia Cristiane. O Vestibular Indígena busca candidatos em suas respectivas terras indígenas, favorecendo a participação no processo seletivo. Essa ação faz toda a diferença, se considerada a distância das terras indígenas dos centros urbanos e as condições socioeconômicas da população indígena. “É possível afirmar que essa ação, de buscar as candidatas e candidatos, contribuiu para que o número de participantes no processo aumentasse em mais de 1000% desde que foi criado o Vestibular, em 2002″, ressalta Cristiane, que complementa: “nós, enquanto Cuia estadual, defendemos essa lógica de ir até o candidato e não o contrário. Considerando o problema do deslocamento, nós entendemos que é muito mais importante as IES estarem próximas das terras indígenas (TI) para poder fazer Vestibular, facilitando o acesso e o deslocamento”.
A pró-reitora de Assuntos Estudantis, professora Ione Jovino, indica que há um avanço nas políticas voltadas aos indígenas no Paraná. “É louvável o aumento recente do valor das bolsas que estava bem defasado, por exemplo. Ainda é uma política inédita do país”. Entretanto, apesar do ineditismo da política e dos avanços, Ione explica que “em tempos que temos recrudescido em termos de Governo Federal, com cortes de bolsas para indígenas e quilombolas, é importante que tenha havido o reajuste das bolsas, que ainda não é o ideal, mas já é superior ao valor de outros fomentos”.
A coordenadora do Vestibular, professora Isabel Cristina Rodrigues, reitera que a existência da lei estadual possibilita a inclusão e a execução de processos de inclusão. “Sua implantação é fundamental e ela precisa passar por processos de avaliação e revisão. É essencial que ela exista, e para que possa continuar existindo, precisa ser avaliada e revisada no sentido de que algumas mudanças sempre se fazem necessárias”. Para Isabel, são necessárias adequações no processo do Vestibular, “para que ele se torne sempre um processo que seja mais democrático e que de fato possibilite a inclusão das pessoas para as quais ele está destinado”, defende.
A permanência no Ensino Superior merece atenção, como aponta a professora Ione. “É preciso pensar dentro da permanência, num sentido amplo que não seja só a permanência material. Não é só o dinheiro da bolsa e garantir moradia, porque isso é muito importante, mas não é tudo. Garantia de visibilidade, e uma política linguística dentro da Universidade que visibilize as línguas faladas por esses povos, garantia de espaço de convivência dos grupos indígenas e destes com outros grupos em respeito à diversidade étnica e cultural. Isso sim é pensar permanência”, defende.
Para Ione, avançar no contexto das políticas para a população indígena é pensar formas de incorporá-las às políticas afirmativas das Universidades Estaduais, “alinhando-as às questões das cotas e de permanência e ampliando o número de vagas para indígenas no Ensino Superior e, nesse processo, é fundamental escutar quem está participando do processo: a população indígena”, completa.
Texto, apuração e fotos: Mariana Fraga da Fonseca | Adaptação: Cristina Gresele